Capítulo Dezessete

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Fiquei a noite toda ao seu lado enquanto ele estava desacordado.
Os médicos conseguiram desintoxica-lo porém ele continuava desacordado.
Naquele instante eu apenas me perguntava por que? Por que ele decidiu fazer aquilo? Por que ele não foi conversar comigo? Por que não procurou ninguém? 
Comecei a me sentir de alguma forma culpado pelo o que aconteceu, culpado por não ter estado com ele na hora que ele mais havia precisado de mim.
Mas eu não imaginava, eu juro que nunca havia passado pela minha cabeça que ele faria algo como aquilo algum dia.
  Sua mãe chorou a noite toda como se o filho estivesse morto, mas em momento algum ela falou algo comigo, apenas sorria para mim sempre que entrava no quarto e ver que eu estava do lado de seu filho. Ela estava pálida e as rugas já eram aparentes.
— Meu filho… — Era a única coisa que ela dizia ao se aproximar da cama dele, ficava alguns instantes por ali e saia, ficava lá fora.
   Em alguns momentos durante aquela longa noite ao lado dele eu podia sentir meus olhos se enchendo de lágrimas enquanto eu o encarava demais, era horrível, era perturbador ver alguém naquele estado, mas eu o amava, ele havia estado ao meu lado os últimos sete anos da minha vida, então era impossível não estar sentido com aquilo.
  — Shrek e Torque? — Eu dizia algumas vezes baixinho em seu ouvido, talvez esperando alguma reação.  Mas infelizmente, em nenhuma das vezes que falei, obtive resposta.

A noite foi difícil, porém uma hora o sol apareceu, e eu continuava lá, ao seu lado. Sai rapidamente para comer, lavar as mãos e passar álcool em gel, mas voltava rapidamente. 
Me sentei novamente ao lado dele quando a enfermeira chegou e disse que eu havia recebido alta. Eu não respondi nada, apenas continuei ali, o encarando, esperando apenas alguma reação. 
— Ele vai ficar bem. — A enfermeira com aquela voz estranha disse com um sorriso no rosto, tentando me confortar, eu sorri de volta para ela, era uma boa pessoa.
  Já passava das nove horas da manhã quando minha mãe foi embora, eu lhe disse que não sairia dali enquanto Pedro não acordasse, e ela não me questionou, ela sabia que eu não sairia ali nem mesmo se me pagassem.
Sentei ao seu lado e fiquei de cabeça baixa, por alguns instantes temendo o pior. E se ele nunca mais acordasse? Se ficasse em coma até entrar em um estado vegetativo? E se aquela tentativa de suicídio tivesse se concretizado? A realidade é que nossas vidas valem tão pouco, em instantes estamos aqui mas logo podemos não estar mais.
— Torque e Shrek! — Ouvi uma voz baixa e cansada, quando levantei a cabeça e vi que ele havia acordado, estava com uma expressão cansada e parecia bastante fraco.
— Seu desgraçado, por que fez isso? Por que tentou se matar? — Uma lágrima escorreu de meu rosto por fim, eu pensei em segura-la mas para que? Para que esconder o que estamos sentindo diante de outras pessoas?
— Eu estava… — Ele falou baixo, seus olhos estavam quase se fechando, talvez pela claridade. — Eu estava muito mal Everton.
— E por que não falou comigo? — Me levantei.
— Eu não estava mais vendo sentido em tudo aquilo… — Ele falou devagar e ainda mais baixo.
— De que esta falando? — Eu estava custando entender o que ele falava.
— Everton… — Ele começou e deu uma longa pausa em seguida. — Ontem a noite eu… Eu contei para minha mãe da minha sexualidade.
  Senti meu coração acelerar, eu sabia que aquilo provavelmente não havia sido um diálogo muito amigável entre os dois.
— Poxa… Qual foi a reação dela? — Eu disse me sentando novamente.
Ele ficou alguns instantes olhando para o teto, até que voltou a olhar para mim e a contar.
— Ela começou a gritar Everton… Ela me… — Ele ficou alguns instantes em silêncio e eu vi uma lágrima escorrendo e caindo na cama. — Ela me disse palavras terríveis... E disse que eu podia… podia… sair de casa… porque eu não era mais filho dela…
  Uma lágrima escorreu agora de meu rosto imaginando todos aqueles momentos ruins que ele passou a pouco, me imaginei no lugar dele, sentindo palavras tão duras saindo de alguém que apenas deveria nos apoiar. Lembrei de sua mãe durante a noite entrando no quarto de dez em dez minutos, até que virei para trás, e notei que ela estava na porta do quarto, eu não disse nada, apenas virei para Pedro novamente.
— E foi depois disso que você...
— Isso… Eu peguei todos… Todos os remédios da casa e bebi… Um por um… De que adiantaria viver se eu não seria amado pela pessoa que me colocou no mundo? — Ele disse enquanto as lágrimas escorriam descontroladamente. — É uma pena que eu ainda esteja vivo.
— Não fala isso… — As lágrimas continuavam a escorrer de meu rosto. — Você é uma pessoa boa Pedro, se matar não é a solução das coisas… E sua mãe... Uma hora ela vai te entender... — Virei para a porta novamente, e sua mãe estava agachada, e chorava mais do que nos dois juntos.
— Eu acho que minha mãe não me ama mais Everton… Eu só queria não ser desse jeito e ser amado… — Ele fechou os olhos.
Foi então que bem devagar eu vi sua mãe se aproximar da cama, ficando ao meu lado, eu de um passo para trás, para deixa-la próxima dele.
— Não fale essas coisas, eu te amo meu filho. — Ela disse de maneira quase incompreensível enquanto ela molhava a cama onde o filho estava de lágrimas. 
  Ele abriu os olhos, e ainda mais lágrimas escorreram de seus olhos.
— Me desculpe por ser gay… Eu não queria, eu…
— Cale… — Ela disse, enxugando as lágrimas do rosto do filho. — Quem estava errado era eu, você não esta errado em ser apenas você.
— Pensei que não iria mais gostar de mim…
— E eu pensei que nunca mais iria lhe ver, por um erro meu. — Ela voltou a chorar descontroladamente, e eu os acompanhava. — Eu precisei quase perder meu filho para perceber que ser gay não é errado, queria que tivesse sido mais fácil. 
— Eu te amo. — Ele disse, ainda chorando muito.
— Eu também te amo meu filho.
Foi a última coisa que ouvi, antes de sair e fechar a porta, eles tinham muito o que conversar, eu sabia.

O TOC DA ESTRELA (2018)Onde histórias criam vida. Descubra agora