Capítulo Quatro

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— Você deve estar louco de sair de casa sem a autorização de sua mãe! — Meu pai disse pegando o telescópio bruscamente e levando em direção ao carro. — Estou te falando Everton, a próxima vez que desobedecer ou a mim ou a sua mãe eu te levo para o exército, e você vai aprender a virar homem lá!
Ouvi meu pai falar tudo sem dar atenção a suas palavras, estava apenas pensando no que havia acontecido naquela noite, tudo tinha sido tão intenso e tão misterioso que minha mente estava explodindo, e após descobrir seu nome, tudo parecia ainda mais confuso.
— Você está me escutando Everton? — Não havia sido uma pergunta retórica, ele me encarava enquanto eu viajava.
O encarei por alguns instantes sem saber muito bem o que estava acontecendo.
— Sim... Estou… Pai…
— Ótimo.  — Ele disse virando-se novamente indo em direção ao carro e falando mais meio quilo de palavras sobre exército, ter um filho louco e assim vai.
Quando nos aproximávamos do carro percebi algo que não havia reparado de longe, — Graças a minha mente, que pensava um trilhão de coisas. — Pedro estava ali, escorado em nosso carro com seu blusão e com os braços cruzados enquanto nos observava
Me aproximei do carro e enquanto meu pai guardava o telescópio, — Ainda resmungando — nos dois trocamos pequenos comprimentos com a cabeça, um pouco sem jeito, talvez.
Quando entramos no carro o silêncio tomou conta e a paz voltou a reinar, meu pai era assim, depois que falava tudo que ele tinha que falar de maneira explosiva, ele se calava subitamente e assim ficava, por muito tempo.
Mas não havia muito o que ser dito no trajeto de volta para casa, fiquei com a cabeça no vidro observando o céu e as estrelas, enquanto Pedro vez ou outra me olhava, esperando talvez qualquer sinal vindo de mim que demonstrava que eu havia o perdoado.
Mas aquela altura eu já nem ligava mais para o que havia acontecido entre nós dois, tudo o que rolou na praia me fez esquecer de tudo, quero dizer, não sentir mais raiva dele, eu havia perdoado, talvez. 
Chegamos até minha casa e entramos, Pedro alegou que iria comigo até meu quarto para pegar seu caderno. — Provavelmente uma mentira para conversar. — Entrei na onda e confirmei que estava com o caderno dele para meu pai.
Subimos as escadas e antes de entrar em meu quarto Pedro sabia o ritual a qual ele — E qualquer outra pessoa. — Tinha que realizar. Tirou os sapatos na porta, lavou muito bem as
mãos e passou álcool em gel, apenas depois ele entrou.
Fiz o mesmo, e assim que entrei em meu quarto com o papel higiênico nas mãos ainda para abrir a porta ele já disparou a falar.
— Me desculpe. — Ele abaixou a cabeça evitando contato visual. — Eu não devia ter dito aquilo, saiu da boca para fora, você sabe as vezes eu...
Eu ri, uma risada alta suficiente para que ele escutasse.
— Não tem o que desculpar Pedro. — Ele me encarou. — Eu fiz tempestade em copo d'agua, como sempre faço.
— Você sabe né. — Ele deu dois passos em minha direção. — Eu nunca faria o mesmo que o Carlos e todos os outros fizeram com você, eu… — Ele pareceu ficar sem jeito por alguns instantes, ele respirou fundo e me encarou novamente. — Eu… Você… Você sabe que eu estou contigo, em todos os momentos, bons ou ruins, para briga ou para guerra e nunca vou te abandonar por coisas tolas como aqueles fizeram Everton. — Depois ele negou, mas nesse momento vi uma lágrima escorrendo de seus olhos, e diferente do que havia ouvido mais cedo, dessa vez havia ouvido algo que parecia vir do fundo da alma.
Eu abaixei a cabeça por alguns instantes sorrindo, depois o encarei novamente, sem reação ou sem saber ao certo o que dizer, mas eu sabia o que deveria ser dito naquela circunstância.
— Shrek e Torque? — O encarei, me perguntando se ele ainda se lembraria, e eu vi um sorriso se abrir de orelha a orelha.
— Torque e Shrek! — Ele foi para me abraçar, eu percebi isso, até que ele parou no caminho e estendeu a mão fazendo um "punho" como se fosse dar um murro, fiz o mesmo e fizemos os punhos irem de encontro um com o outro, até quase se tocarem.
  Torque era um cão que se tornou melhor amigo de Shrek, uma coruja. Torque adotou Shrek quando ele mesmo tinha apenas 6 meses de idade. Shrek foi retirado do cuidado de sua mãe, porque os cuidadores estavam
com medo de que ela pudesse comê-lo quando estivesse estressada. O cão e a coruja se deram muito bem, e tornaram-se amigos inseparáveis. E dessa maneira víamos a nossa própria amizade, algo inusitado como o cão e a coruja.
  Antes que Pedro fosse embora, pensei algumas vezes em o contar o que havia acontecido na praia, mas como Adhara havia pedido, não contei a ninguém, nem mesmo a ele.

Na manhã seguinte acordei mais cedo que o habitual, peguei algumas frutas guardei em minha mochila e fui até o farol, ver como ela estava, mas estranhei ao ver que ela não
estava ali, e não havia nenhum sinal da garota, afinal, estrelas ficam invisíveis pela manhã.

O TOC DA ESTRELA (2018)Onde histórias criam vida. Descubra agora