19 A fuga

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Max

Em quatro décadas de avanços científicos, nada foi mais equivocado do que o contato imediato com um Cruel. A única certeza que temos é a respeito da contaminação. Eu, por exemplo, ferido no lábio , não posso entrar em contato com um, pois nós sabemos isso pela prática em campo de guerra. Então isto significa um risco iminente para mim neste exato momento. Sabe-se que, uma vez infectado, a pessoa já não há mais possibilidade de viver, ou melhor, de ser um humano.

Aguardo o parecer de Eithan sobre o estado de Jenny . Seu semblante, tão inocente, com os cabelos espalhados em minha cama. A pele rosada, chega a refletir a luz do teto, e a boca entreaberta , um convite para meus olhos.

— De novo ! Ela desmaiou de novo! Você não podia tê-la deixado só ! No que estava pensando, hein? — Eithan estrebucha sem parar e sem conseguir trazer a menina de volta à consciência também.

— Eithan, calma! Não vai adiantar falar comigo assim.

Na verdade minha mente trabalha muito para descobrir o que realmente aconteceu aqui. O pisca-alerta militar me pede para tomar alguma medida. Mas qual?

— Calma, calma!  É só o que você sabe dizer? Onde está o Max fortaleza que eu conheci? Não passava nada por ele!

Fico muito puto de escutar essas palavras , mas infelizmente ele tem razão. Alguma coisa está me tirando do ponto, do foco. Contudo , quem é  ele para falar comigo assim?

— Cara , assim você me ofende. A culpa é sua também ! Você já devia ter me contado a respeito dessa falha do sistema. Inclusive , já a teríamos corrigido – administrei minha raiva o quanto podia andando de um lado ao outro, procurando algum vestígio  ou sinal, as mãos  bem postadas na cintura , pois a vontade que eu tinha era de socar a cara desse covarde . Imagina se eu faria algum mal a Jenny — O que vamos fazer agora ?

Tento ser prático para evitar que cheguemos às vias de fato num momento crítico  como esse . Espero ele dizer mais alguma coisa , mas ele cala. Com a cabeça de Jenny em seu colo, acaricia seus cabelos suavemente, movimentando os lábios num sussurro peculiar, e aperta-a contra o peito, beijando o topo da sua cabeça.

Eu simplesmente não consigo ficar somente olhando para isso. Meu coração bate rápido e atravessado, vendo os movimentos lentos que ele realiza e que vão me deixando louco.

Preciso fazer alguma coisa. Preciso fazer com que ele tire as patas de cima dela .

Já estou quase estourando com meu amigo, quando tento desviá-lo para outro lugar, porém ele não dá sinal de que largará Jenny.

— Eithan, vá ver o resultado das buscas. Temos que achar o Cruel urgente!

— Nem a pau que vou deixá-la com você, cara! Preciso que ela acorde para garantir que esteja bem e que o pior não tenha acontecido. Eu sou o médico aqui!

Eithan respira novamente depois de atirar todas as palavras num só  fôlego.  Ele também  tem ciência que precisa de autocontrole. Uma ideia lhe vem à mente por um momento:

—Você vai achar um helicóptero para tirá-la daqui. Pegue também Meg para que ela não se sinta só, nem pense mais uma vez que a estamos punindo.

— E aonde vamos levá-la?— não questiono sua decisão  porque de fato ela corre muito perigo.

Em minha cabeça passam mil coisas, porém nenhuma é segura o suficiente.

—Temos que convencer os outros tutores a dizer para Iuri que elas morreram —e Eithan vai ditando as regras enquanto  arquiteto tudo. De fato formamos  uma dupla perfeita.

— Pode deixar comigo. Você acha seguro que o especialista Johnson  vá com elas?

Ele calou e olhou com profundidade em meus olhos. Não havia mais o Eithan brincalhão por aqui. Aliás não  havia mais nada da paz temporária  que existia antes da chegada de Jennifer. Era como se só  agora o mundo passasse a existir. Ou talvez somente agora nós dois tínhamos um motivo para continuar vivos. Um motivo muitíssimo  ligado ao nosso maior pesadelo: Jeffrey.

— Max, teremos que tomar uma outra  decisão.

— É, eu sei. São muitas decisões. Mas eu vou aprontar tudo agora mesmo.

— Não é isso.— ele coçou a cabeça daquele jeito quando está sem jeito — Um de nós tem que ir com ela. Nós não podemos sair os dois e desertar, então o outro tem que ficar para contar a nossa história.

O  coração veio na boca , apertado , doendo pela primeira vez na vida. Eu queria fazer parte da história de alguém,  queria estar presente na vida dela . Eithan parecia entender o que se passava comigo, estava tudo muito transparente pelo visto. Porém não parecia preparado também para se separar dela da mesma forma.

As palavras não ditas martelavam minha cabeça. O que realmente ele estaria disposto a fazer por ela? Então eu joguei a pergunta:

— O que você estaria disposto a fazer por ela? — sua cara desolada parecia pesar os sentimentos todos nesse mundo de caos.

Que futuro teria qualquer um de nós? Jenny era o próprio  futuro. Aquele que estivesse com ela, estaria em posse do futuro. E aquele que ficasse teria que vestir uma máscara  incômoda  e dolorida, dormente o suficiente para não  entregar toda a situação  ao Capitão Iuri. E esse... Esse saberia com certeza ler o que não  dizemos.

— Enquanto eu respirar ela estará a salvo — Eithan respondeu carregado de sentimentos em suas palavras.

O ciúme me consumia  e, mesmo assim,  assenti com a cabeça em plena concordância. O que eu queria? Eu havia falhado. A essas alturas, teríamos que esperar Jenniffer acordar para saber o que realmente houve e até lá decidiríamos quem ficaria. Interiormente, respondi:

E enquanto ela existir , ela será minha.

Porém em alta voz respondi de acordo com a realidade:

—É  claro que sim. Não  esperava menos de você. Porém  o quanto vamos continuar a respirar? Eis a questão. 

Vi que seu olhar mudou  e concordou também  comigo. Era realmente  uma disputa onde nós  dois havíamos assumido a posse se merecêssemos. Acontece que nem sempre acontecem as coisas como queremos, ou seja, como ele quer. E para isso eu estaria aqui a fim de lutar dentro de todas as variáveis,  lutar pelo meu futuro.

Eu não iria ser desonesto ao ponto de mostrar desinteresse se ele já percebera abertamente, não obstante faltava a peça chave dessa novela.

— Ainda temos que esperá-la acordar.

Respondeu ele , no mesmo compasso de meus pensamentos. Parecia lê -los. E um mau-estar foi automaticamente formado entre nós.

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Olá meus queridos. Peço perdão pelo capítulo pequeno. Tive que dividi-lo. Amanhã tem mais , não zanguem comigo. Quem sabe se pedirem muito não público hoje?

CONTENÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora