Fragmentos

Ar condicionado

O barulho do ar condicionado ligado trazia uma falsa sensação de conforto,a escuridão do quarto acompanhava seu estado de espírito atual,os pensamentos...iam longe. Brincou com os dedos da mão em frente ao seu rosto sem realmente enxergá-los,assim como centenas de coisas que insistia em não ver mesmo que estivessem diante da sua face. Poético não? Nessas horas os pensamentos filosóficos insistiam em brotar em sua mente,nessas horas a inspiração sempre aparecia...nunca quando tinha um papel de rascunho em mãos. Preferia o papel ao digitar,isso não mudara assim como tantas coisas.

Suspirou longamente de forma cansada,encarou o visor marcando 04:15 da manhã e tentou conter um resmungo por mais uma noite de sono mal aproveitada.

O corpo ao seu lado virou encostando-se em suas costas como tantas vezes,já perdera as contas das diversas ocasiões em que se encontrara nesse mesmo lugar,nessa mesma posição,nessa mesma situação. Sentiu o braço passar por sua cintura e a testa encostar em seu ombro,o tom de voz arrastado e rouco chegou a causar dó por um momento.
- Você voltou a ter insônia.
- Nunca deixei de ter.
- Sabemos.

Nunca deixara de ter insônia e tantas outras coisas que poucos sabiam ou sequer imaginavam,mesmo assim podia enumerar centenas de mudanças que sentira nesses trezentos e tantos dias,já não se sentia a mesma,já não era a mesma. Ainda sim,tudo parecia de certa forma...igual.

- Para, você não ta me deixando dormir.
- Eu não abri minha boca,Osh.
- Seus pensamentos tão altos demais.
- Não tenho culpa se minha mente brilhante gosta de gritar as quatro da manhã.
- Brilhante - o riso tão próximo faz suas costas tremeram - a única coisa brilhante em você é esse letreiro luminoso que você carrega na testa,escrito você sabe o quê.
- Trouxa?
- Eu ia falar viada...mas também serve.
- Vai dormir,nojenta.
- Mimada.
- Ridícula.
- Iludida.
- Essa doeu.
- Deus do céu...teus insultos não melhoram com o tempo. Viu? Por isso eu ainda sei te irritar,você é previsível.
- Previsível vai ser …
- “Minha mão na sua cara”? Viu? Você não muda.

Talvez. Talvez fosse esse o problema afinal. Porém,por hora preferia ser previsível,sentir que era ela mesma pelos próximos minutos.

O tapa na cabeça da outra rendeu um gemido de dor surpreso,seguido de uma risada.
- Prevê isso,sua...panaca!
- Vai dormir antes que eu aumente o ar no máximo pra atacar tua alergia.

Fechou os olhos resmungando,uma amizade dessas hein bicho?

Difícil lidar,difícil.