A estrada

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Abril de 2016
"Porque quando você tem medo e faz mesmo assim, isso é coragem." _ Coraline e o mundo secreto

Eu sou constantemente impedida pelo medo. Tenho medo do que está por vir a cada minuto, de coisas que eu não posso evitar, da incerteza dos segundos. Eu vivo me perguntando se eu posso ignorar esses fatos, distraindo minha mente com qualquer livro, histórias infantis ou qualquer bobagem trivial. Mas até nessas histórias de desenho animado há uma parte sombria.

Eu me sinto um copo embaixo de uma torneira gotejando, cada gota equivale a algo ruim que eu tenha passado, de gota a gota vem a certeza que um dia ele vai transbordar, e eu transbordei. Eu sou péssima em auto avaliação, mas creio que as pessoas conseguem me deixar bem rápido porque eu quero me distrair rápido. Eu lembro de mim mesma a quase um ano atrás, antes de me sentir atingida por esse medo, todos os meus pensamentos e todo meu corpo se contorcendo de excitação para aquilo que estava na minha frente: aquelas pessoas. Pessoas que eu mal vejo agora, pessoas que se mostraram diferentes e agora eu entendo que são tão melancólicas e tão entediantes como qualquer fim de tarde chuvoso de domingo. Mas ah, naquela época nós éramos personagens de Jack Kerouac, nos sentíamos incríveis cambaleando pelas ruas esburacadas da cidade, recebendo os piores olhares por onde passávamos, com um bando de pessoas nos odiando e nos colocando no pedestal da genialidade jovial. Nas nossas roupas de inverno, com nossas botas e tênis, nossos cigarros, bebidas e olhos vermelhos.
Eu nunca ligava de ficar para trás, às vezes até fazia um pouco de hora porque gostava de olhar para eles, como andavam de forma largada, como bebericavam suas garrafas, como tragavam seus cigarros de filtro vermelho, dos mais caros. Gostava de ver como eles andavam lado a lado, de ver aquela ligação que eu achava ser verdadeira e eterna. E lembro de uma noite quando nos sentamos todos, um grupo de mais de dez cabeças, em uma praça perto da rampa de skate, e ficamos bons minutos calados, apenas adorando silenciosamente aquilo, como se tivesse algum sussurro na noite pedindo a nossa atenção, eu nunca vou esquecer daquela imagem meio embaçada de seus rostos, mas eu sequer me lembro do nome da metade deles. Mas não me importava e não me importo ainda, porque toda noite, alguns minutos antes de entrar em casa, eu me deixava mergulhar em pensamentos no passeio da minha rua e sempre confirmava a mim mesma que não deveria me arrepender. Não me arrependo e até sinto falta de algumas coisas. Faz quase um ano, uma eternidade para novas vidas, e eu já não sou mais a mesma, mas, mesmo não sendo tão certo naquele momento, eu me sentia livre.
É triste, não posso pegar todos e tentar recriar as cenas porque as circunstâncias não são as mesmas, eu jamais terei aquelas noites de novo. Aquela coragem se foi.
É um fato que não consigo ignorar: o passado não é nada menos, nada mais do que algo que já passou e não volta, e que todos seguiram em frente, caminhos diferentes, mas em frente, e eu sinto que cai em algum buraco no meio do meu caminho.
De forma sutil o medo engoliu cada palavra minha, cada ação espontânea, mas olhando a poça que se forma envolta do copo, não tenho mais capacidade de ignorar, e até me ouso a encarar, e por alguns minutos a imprevisibilidade da vida é uma expectativa positiva. A estrada que eu vejo na minha frente agora é árdua, mas eu espero saber como seguir em frente.

O céu não é azulOnde histórias criam vida. Descubra agora