Sonsang, a parte obscura de Seoul

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chang narrando agora sz

[ 🐺 .*+ ]

— Por quê está fazendo isso? — perguntei quando Kihyun molhou o algodão no álcool.

— Você não ia fazer isso, ia? — neguei — você parece uma criança.

Arqueei a sobrancelha, e isso o fez rir.

— Está rindo por quê? — questionei.

— Você até que tem seus charmes — ele murmurou. Quando ele pressionou o algodão contra meu machucado, eu chiei e instintivamente segurei seu pulso, o assustando. O soltei depois de engolir em seco.

— Você não é como eu pensava — falei.

Kihyun parou de cuidar do meu lábio e cruzou as pernas em cima da cama.

— E como você pensou que eu fosse?

Afastei a franja dos meus olhos e respirei fundo. Eu não tinha uma opinião formada sobre Kihyun, apenas ouvia os boatos e o via ser constantemente humilhado. Eu até que entendia como ele se sentia, mas isso não queria dizer que eu simpatizava com ele na época. Talvez agora eu desgoste um pouco menos dele.

Desde que esbarrei nele no corredor no primeiro dia de aula, começamos a trocar alfinetadas e a irritar um ao outro. Em parte, era eu quem mais conseguia envergonhá-lo, Kihyun chegava a ficar vermelho de raiva e constrangimento.
Mas como nem tudo é um mar de rosas, eu tive que sumir por dois meses e fiquei todo esse tempo sem irritar alguém, então, Kihyun voltou a ser meu alvo.

— Um merdinha — disparei e ele arregalou os olhos — você sempre andou com gente nojenta, seu namorado é um nojento.

Kihyun inspirou e espirou, voltando a cuidar do meu machucado.

— Ex-namorado — ele me corrigiu — Cheol e eu terminamos, e ele me deu um belo de um roxo no olho.

Curioso, aproximei meu rosto do dele para ver melhor o tal roxo que ele falava, mas não vi nada. Kihyun deve ter se surpreendido por causa da repentina aproximação e afastou-se quase que imediatamente.

— Existe uma coisa chamada maquiagem, Changkyun.

— Nós da parte oeste de Seoul nunca ouvimos falar disso — brinquei e Kihyun rolou os olhos.

A parte oeste de Seoul, mais conhecida como Sonsang por causa do nome do bar mais famoso de lá, é o lugar onde grandes criminosos se encontram, meu pai inclusive costumava frequentar esses lugares, até que finalmente foi preso.
Eu e o velho nunca tivemos uma relação boa, ele vivia dizendo que um dia todo o império dos Lim seria meu. Só que o problema é que eu nunca quis fazer parte dessa máfia estúpida.

— Então você veio de lá? — Kihyun prosseguiu a conversa.

Fiz um singelo movimento positivo com a cabeça. Quando Kihyun terminou de cuidar do meu machucado, sorriu satisfeito e deixou de lado os utensílios que usava.

— Como é Sonsang?

Suspirei.

— É um subúrbio, não gosto muito de lá. Tanto é que mudei pra casa da minha mãe quando fui liberado.

— Você realmente matou alguém, Changkyun?

Assim que eu abri a boca para responder, o médico responsável pela enfermaria entrou e nos saudou. Decidi deixar o assunto quieto e apenas acenei para Kihyun antes de sair.

[...]

— Ei, Chang! — Yoonho praticamente subiu nas minhas costas quando passei pelo alto portão de metal — gostou da minha maquiagem? — Yoonho se desvencilhou do meu corpo e eu examinei seu rosto, havia ainda alguns defeitos na maquiagem que ele insistia tanto para aprender. Quando assenti e sorri, Yoonho voltou a falar — você realmente se mudou pra Seoul?

O empurrei para longe e respirei fundo, assentindo.

— O que vai ser de nós sem você? — Yoonho fez um bico.

— Yoonho — parei de andar e o olhei sério — são cinco mafiosos que protegem Sonsang com sua falta de vergonha na cara. Pra que precisa de mim?

Yoonho deu de ombros.

— O que veio fazer aqui então, já que não gosta da gente? — ele é três anos mais novo que eu, e é bem grudento. Sempre fui o único amigo de Yoonho, e talvez ele tenha se apegado tanto a mim que não fez nenhum amigo.

— Vim pegar os livros da escola. Minha mãe esqueceu alguns quando me mudei — murmurei quando voltamos a andar. Os solados dos meus tênis colidiam com muitas pedrinhas do chão não asfaltado e sujava a superfície dele, eu teria um trabalho do inferno para limpá-los quando voltasse para casa.

— Mas esse é o caminho pro ferro-velho, Chang — Yoonho falou.

Massageei minhas têmporas e pus a destra na cintura, indicando que ele me largasse por pelo menos um minuto.

— Vá pra casa, Yoonho. Seu irmão deve estar preocupado com você.

Como uma criança boba, Yoonho me deu a língua e saiu correndo do terreno do ferro-velho. Esperei que ele sumisse da minha visão para que eu pudesse fazer o que queria: ir até o antigo carro de Wook, um senhor já de idade que tomava conta de mim sempre que meu pai tinha que sair de Sonsang para resolver seus assuntos com a máfia — o que acontecia quase toda semana.

O carro era um Mustang da década de 70, avermelhado. Tirando o fato de algumas partes estarem caindo, o veículo estava novo e bem cuidado. Me esquivei pelas pilhas de carros até encontrar o Tomatinho, como Wook o chamava, e sorri. Abri a porta e me sentei no banco do motorista, já bem empoeirado dado o tempo que ninguém lava o carro. Do porta-luvas retirei o tocador de fitas antigo que o próprio Wook me dera quando completei nove anos e, da minha mochila, os fones que minha mãe me deu. A fita dos Beatles ainda estava lá, então apertei o play e fechei os olhos, apreciando um dos poucos momentos que eu tinha sozinho quando morava em Sonsang.

Bons tempos que eu queria de volta.

PAPER CROWN 「 Changki, 2Won, Joohyuk 」Onde histórias criam vida. Descubra agora