A dificuldade que Henri encontrou ao pedir desculpas foi maior do que esperava e descobrir que Afonso iria dormir em sua casa fora pior ainda. O velho deu a desculpa de que haveria uma reunião no dia seguinte e não teria aonde dormir. Jonathan, é claro, lhe ofereceu um dos quartos de hóspedes para passar a noite. Henri não gostara nada da ideia. Dormir sobre o mesmo teto, ainda que por uma noite, com aquele homem não seria boa coisa, porém evitou contrariar seu pai, sabia que estaria perdendo tempo.
Nana iria dormir acompanhada de sua mãe, mas antes, a pedido de Henri, entregaria um recado a Louise sobre Afonso. A menina também fora contra sua pequena estadia em sua casa. Aquele olhar insinuante lhe trazia uma impressão ruim, como se estivesse nua ou coisa parecida. A loira caminhou até a cozinha onde Louise lavava algumas louças, se apoiou no balcão e bufou.
-Este jantar não foi nada bom e peço desculpas por aquele velho inconveniente.
-Não precisa. Já era de se esperar, não acha?
-Na verdade não. Sabe que não sou a favor, se me deixassem falaria umas boas verdades para ele. Não gosto de vê-la nos servindo.
Louise parou e virou-se para ela com o rosto sereno.
-Nana, sempre admirei sua bondade, deveriam existir mais pessoas como você, mas... - a menina abaixou cabeça lembrando-se mais cedo do que seu senhor havia feito. Ainda se sentia arrasada. Podia ser seu primo naquele tronco levando mais de cem chibatadas nas costas até sua pele abrir. Jorge lutou tanto para no final morrer como um insignificante - nem todos pensam assim. Esse é, infelizmente, o mundo em que vivemos.
Ela caminhou até Louise, envolveu seus braços na menina sentindo as velhas e boas lembranças de infância vir à tona. No tempo em que estiveram fora, Nana e Henri só pensavam em voltar, mesmo vivendo momentos inesquecíveis com pessoas extraordinárias. O laço que criaram com a escrava foi tão forte a ponto de tornarem seus sentimentos invictos.
-Mas eles ainda irão perceber a burrada que fazem - continuou a loira.
A negra esboçou um sorriso cativante e a apertou contra seu corpo.
-Ah, e mais uma coisa - Nana se afastou de Louise, agora com suas mãos no ombro da menina. - Henri está preocupado com você. Disse para tomar cuidado com Afonso.
-Tudo bem. Agradeça a ele por mim.
Nana assentiu com mais um abraço e lhe deu boa noite, então foi de encontro ao seu quarto.
Depois de algumas horas e após todos dormirem, o silêncio se manifestou na casa por completo, ouvia apenas sons de grilos, e outros insetos ao redor da casa. Como sempre, Louise era a última a dormir. Faltava pouco para acabar de arrumar o que tinha sobrado do jantar. Seu corpo já pedia por descanso, naquele momento queria apenas deitar e ter um bom sonho, porém, esses dias, nem os sonhos a visitavam mais.
A menina andava de um lado para o outro na cozinha, e para finalizar mergulhou um pano na bacia d'agua, torceu e passou no balcão rapidamente.
-Para uma escrava você é muito bonita. Bem cuidada... - disse alguém, com uma voz irritantemente grossa.
Louise virou-se assustada para o homem que a observava com um olhar perverso. A menina respirava desregulamente, sentia seu coração pular para fora do peito num ritmo acelerado.
-O senhor gostaria de alguma coisa?
Afonso avançou alguns passos em direção a ela. Ele vestia um robe de chambre cinza no comprimento de seus joelhos, suas pernas estavam cobertas por uma calça folgada da mesma cor, seus cabelos estavam molhados, com pequenas gotículas pingando em seu ombro.
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Era uma vez uma época
Romance"A escravidão é a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, ao qual é imposta tal condição por meio da força". No século XIX a escravidão estava em seu apogeu, mesmo sobrecarregados, os...