Capítulo 21

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-O que? - Perguntou Louise, incrédula.

-Não há necessidade em lhe dar explicações, - disse Helena, desdenhando - apenas arrume suas coisas e vá. Começará hoje mesmo colhendo café.

-Mas senhora...

A mulher saiu rapidamente da cozinha, sem dar uma chance à escrava de contestar. Louise sentou-se no banquinho que havia ao lado da porta dos fundos respirando com dificuldade, pois continha a vontade de chorar. Tinha certeza que havia a mão de Marise no meio. E por falar no Diabo, a menina aparece com o sorriso de orelha a orelha. Seus braços alvos estavam cruzados um pouco abaixo dos seios, os cabelos amarrados em um coque tomavam uma cor perolada sob a luz das velas, suas vestimentas, como sempre, impecáveis, porém seu ego descontrolado a tornava uma pessoa asquerosa.

-Estou surpresa que ainda não a tenham mandado antes? Você me parece bem, para não dizer que sou ruim. Devia estar lá fora como as outras.

A negra levantou-se da cadeira de cabeça baixa, não para mostrar-lhe respeito, mas para não voar no pescoço dela. Marise não se deixou intimidar, mesmo que ali não fosse sua casa e a menina não fosse sua escrava. A sinhá chegou mais perto e sussurrou no ouvido da menina.

-Não há espaço para você aqui, imunda.

Assim Marise se foi deixando Louise só novamente. A garota soltou um gemido de angustiante, prendeu a respiração para não chorar, porém fora em vão. As lágrimas caíam insistentemente. A dor já não era mais suportável. Como iria conseguir sem a sua mãe, Adelina ou até mesmo Henri, que apesar de tudo ainda o amava. Já se sentia infeliz e sem nenhuma perspectiva para continuar. Nana ainda era sua melhor amiga, mas ainda sim não era o suficiente.

Após arrumar suas poucas coisas, Louise saiu do casarão e caminhou até a senzala, onde apenas ficavam as mulheres, acompanhada por um capitão do mato, homem grande com cara de poucos amigos.

-Anda, não tenho o dia todo - mandou ele.

Louise entrou no recinto pouco iluminado, apenas por uma única janela no fundo do galpão. Era úmido, coberto por insetos, suas camas eram feitas de palhas. Depositou sua trouxa em um lugar vago próximo a entrada e saiu. O pelourinho ficava em frente a senzala dos homens, que não era tão distante da ala feminina. A negra não costumava frequentar aquela parte da fazenda, ficava apenas na cozinha. Seus olhos passeavam pelo local, que não era uma coisa agradável de ver, depois de tanto sangue derramado ali.

Ao longe o campo se estendia mostrando vários escravos na colheita debaixo do sol escaldante. Muitas mulheres se encontravam carregando cestas na cabeça ou nos braços. Pelo que Louise pôde contar, havia mais de três feitores observando o trabalho dos negros, todos montados em seus grandes cavalos, com chicotes nas mãos e as rédeas na outra. O homem que acompanhava a escrava empurrou-a colheita adentro chamando atenção de alguns homens e mulheres que ali estavam.

-Raquel - chamou ele.

Uma negra, levantou a cabeça ainda segurando uma espécie de facão nas mãos.

-Dê a ela um saco e ensine-a a separar os bons dos ruins - e então saiu.

Ela assentiu soltando o facão ao pegar um saco grosso e aparentemente pesado do chão. Louise já tinha visto a menina poucas vezes andando pelo cafezal, devia ter a mesma idade a julgar por seu corpo. Suas vestimentas eram ainda mais surradas, mãos e pés calejados, cabelo rente a cabeça.

-Você não vem muito aqui, não é? - disse Raquel, com um meio sorriso - Não é difícil depois que se tem a prática.

Raquel entregou o saco para Louise.

-Colha as que estão vermelhas e coloque-as ai.

-Tudo bem - disse ela.

Louise respirou fundo e começou a pegar, de um por um, depositado no saco grande. Depois de uma hora o sol parecia ainda mais quente, queimava os ombros da menina, que vestia apenas um vestido gasto e amarelado, seus enormes cabelos estavam presos embaraçosamente a um lenço que mal dava conta de cobrir sua cabeça. A toda hora o som do chicote ecoava no ar fazendo-a dar pequenos sobressaltos. Raquel sorria as vezes para acalma-la e dizia que estava tudo bem, eram apenas para assusta-los.

A noite estava para chegar. Os feitores gritaram para que todos saíssem do cafezal e assim foi feito. Dezenas de escravos se retiraram sob a luz fraca do por do sol. Estavam exaustos. Haviam até idosos, quase tropeçando nas próprias pernas ao andarem. Louise caminhara junto a Raquel para a senzala feminina. Seu corpo estava dolorido, queria apenas deitar e dormir. Amanhã seria ainda mais cansativo.

Henri estava na varanda de seu quarto olhando as várias estrelas que preenchia o céu. Sua mente vagueava nas lembranças que outrora foram reais, mais reais que toda a sua vida inteira. Mal ouviu quando alguém batia na porta insistentemente. Ele abriu-a e viu Marise parada com um sorriso estreito, seus olhos azuis baixos estavam escuros sob a pouca luz do corredor.

-Ah... oi - Henri tentou disfarçar seu descontentamento, mas fora nítido que nada adiantou. - O que faz aqui?

Marise deu de ombros. Usava um longo robe preto, com mangas compridas, seus cabelos loiros estavam soltos de modo que caíam sobre o busto.

-Bom, só queria ver como você estava. Nós não nos vemos muito na parte da manhã então... achei que poderíamos ficar juntos esta noite.

Ele suspirou.

-Hoje não. Estou cansado e quero dormir - disse ele, rispidamente.

Marise o encarou, seu olhar estava frio e duro, como se estivesse acusando-o de alguma coisa.

-Porque anda me evitando? - Indagou ela.

-Não estou te evitando...

-Então deixe-me entrar.

Henri não estava disposto a brigar, muito menos ali e muito menos com ela. Ele deu espaço para que a garota passasse e então fechou a porta. Marise sorriu, passeava seus olhos pelo quarto.

-É aconchegante. Porque nunca me convidou para vir aqui?

Marise virou-se de costas para ele, avistou a varanda e se encantou com a vista. A lua batia diretamente nela, seus cabelos agora tomava uma cor acinzentada. Ela mordeu os lábios inferiores e fechou os olhos, desatou lentamente o nó que fechava seu robe e então se despiu. Seu corpo estava totalmente nu, que estremeceu ao sentir a brisa gelada. A garota se virou para Henri que a olhou de cima a baixo, mas não com desejo e sim se lembrando de Louise.

Ela se aproximou do menino, colocou suas mãos no peito dele dizendo aos sussurros:

-Eu quero você.

De repente ele a viu: com sua pele morena, seus grandes cabelos crespos, olhos negros e profundos, um sorriso que lhe tirava o folego. Sua mão correu para o rosto de Louise, inclinou sua cabeça na direção dela, com seus lábios centímetros de distância um do outro.

-Eu amo você - disse ela.

Mas aquela voz não era o dela, aquele olhar não era o dela, o corpo não era o de Louise. Subitamente Henri se afastou vendo que realmente não era ela. Marise arqueou as sobrancelhas.

-O que houve?

-Eu não... - ele abaixou a cabeça um pouco atordoado, umedeceu os lábios. - É m

-Como... como assim?

-Saia, por favor.

-Henri...

-Saia! - vociferou ele.

A menina arregalou os olhos, nunca o viu tão aborrecido. Marise andou até seu robe, pegou-o e se vestiu apressadamente, estava irritada, e então saiu. Henri passou as mãos no rosto e respirou fundo. Como a tiraria da cabeça se ainda a amava? Como poderia viver com outra mulher senão com Louise? A noite seguia lentamente enquanto seus pensamentos ecoavam por todo o quarto procurando desfazer o que tinha feito.

Era uma vez uma épocaOnde histórias criam vida. Descubra agora