Capítulo 22

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Louise acordou pouco antes de o sol estar de pé, com Raquel chacoalhando-a levemente.

-Vamos, levante. Os feitores não gostam quando nos atrasamos.

Seus olhos se abriram ainda no escuro. As mulheres saíam pela pequena porta segurando suas crianças e velas para iluminar o local. Raquel lhe entregou uma e se levantou também, esperou a colega e então saíram. O ar gelado fazia-os estremecerem, usando suas míseras roupas velhas e finas, somente o calor emitido das velas lhe traziam algum conforto.

Raquel acompanhou a negra entre as fileiras do cafezal onde ficava mais afastado dos feitores e de outros escravos. O sol aparecia gradativamente aquecendo os trabalhadores que já empunhavam suas enxadas. Louise prendeu seus grandes cabelos em um coque desajeitado e junto com sua colega começaram a colher os grãos de café. Um dos feitores que estavam rodando a área aproximou-se das duas com seu enorme cavalo e as olhou de forma diferente, como se as desejasse, logo depois mostrou seu sorriso amarelo e com poucos dentes e se afastou.

-O que há com ele? - Perguntou Louise a Raquel.

-Ele é repugnante. Já engravidou mais escravas do que consegue contar os dentes.

Louise sorriu, mas não deixou de sentir certo receio, principalmente nojo.

-Ele nunca tentou nada comigo - continuou Raquel, - espero que continue assim.

-Tome cuidado - aconselhou Louise, lembrando-se da vez em que quase fora abusada.

A menina sorriu e assentiu. Assim que encheram o saco Raquel se levantou, pegou-o com certa dificuldade, fez uma careta e o colocou em cima da cabeça.

-Quer ajuda?

A outra fez que não com a cabeça e então saiu. Louise por sua vez pegou outro saco e o posicionou ao seu lado, começando novamente a colher os grãos de café. Raquel voltou alguns minutos depois trazendo consigo uma faca. Ela cortava finos galhos onde seus frutos não serviam e os depositavam em uma cesta.

-Sabe, porque veio parar aqui? Digo, eu sempre via você no interior da casa e agora está no cafezal.

Louise mordeu o lábio inferior.

-A senhora não gostava de mim.

-A senhora não gosta de ninguém. Ninguém a quem me refiro somos nós, a "ralé".

Ela tinha a plena certeza de que Helena não era boa pessoa, mesmo que sua falecida mãe sempre lhe dizia que se não fosse pela senhora não estariam juntas, sua filha jamais acreditou.

-Bom... eu e os filhos dela éramos amigos, desde que pequenos. Digo, ainda somos, mas a senhora não aprova.

-Então ela mandou você aqui para ficar longe deles.

Louise balançou a cabeça positivamente.

-A senhora Helena ainda irá se arrepender, como todos os outros senhores. Os feitores andam pelos cantos dizendo que alguns países estão ficando ricos sem mão de obra escrava.

-Sem escravos?

-Sim. Eles usam grandes máquinas para fazer boa parte do trabalho. Creio que não demorará a acontecer aqui.

Louise não deixou de sentir alivio ao ouvir aquelas palavras. Mesmo que num futuro distante seus filhos ou netos poderiam brincar livremente pelo gramado da pequena casinha que outrora lhe parecia impossível. Poderiam desfrutar de sua liberdade sem que houvesse represálias, chicotes, torturas, entre outras coisas. Não deixou de pensar em Henri também, por mais afastados que possam estar ela sentia que em seu caminho ele novamente entraria e dessa vez era para ficar, mesmo que houvesse empecilhos, e então, finalmente, aproveitaria sua liberdade com a pessoa que mais amava.

Era uma vez uma épocaOnde histórias criam vida. Descubra agora