Os dias seguintes foram os piores possíveis para Louise. Era cada vez mais insuportável ver Henri e Marise juntos. A toda hora, sua senhora estava na cozinha, que mesmo sem falar nada, sabia que era para vigia-la, cantar silenciosamente sua vitória, com seu olhar duro e odioso. Nana tentou convence-la a perdoar Henri. Louise aparentemente o perdoou, mas quando o via com a outra todos os sentimentos da noite em que descobriu voltavam como uma enxurrada. Ela era forte, prendia as lágrimas, pois não queria chorar, porém seu interior estava mais destruído que vidro estilhaçado no chão. Se sua mãe estivesse viva, ou até mesmo Adelina, elas diriam: sinto muito, mas eu avisei. Contudo, dariam todo o apoio que precisasse.
Naquela manhã, Louise se encontrava na cozinha, ajudando uma senhorinha negra a fazer comida. Marise, pela primeira vez entrou no local, mas cuspida pela sua ignorância e preconceito.
-Vocês lavam as mãos antes de fazer a comida?
A velha senhora balançou a cabeça positivamente, mas mantendo sua atenção nos temperos que colocava. Louise virou-se para a pia fingindo fazer algo importante, não queria olha-la, muito menos respondê-la.
-Soube que aqui morreu uma escrava. Doença provavelmente. Quero que lavem muito bem as mãos, nunca se sabe o que virá de vocês, não é?
-Não é porque somos negros que vocês irão pegar... doenças - disse Louise, com o coração quase pela boca.
Ela se virou para a sinhá, porém se arrependeu amargamente de ter feito, Marise quase espumava de tanta fúria.
-Como é? Ousa levantar essa maldita voz contra mim? Sua negra imunda...
A menina fora interrompida por Henri, que ao notar a tensão perguntara rapidamente o que estava acontecendo e conhecendo sua noiva jurava que não era nada bom.
-Essa escrava está me desrespeitando. É assim que os ensinam? A tratarem seus senhores com indelicadeza?
-Deixe que dos meus trabalhadores cuido eu.
O menino sequer olhou para Marise. Passeava seus olhos pelo chão, nem mesmo parou para olhar Louise. A negra percebeu que ele a evitava e isso, de alguma forma, partira ainda mais seu coração, porem não deixou de perceber que ainda a protegia. A loira, por sua vez, bufou e saiu da cozinha.
-Com licença - disse ele, ainda de cabeça baixa e seguiu a loira.
A negra suspirou de alivio. Seus ombros relaxaram e sua respiração voltara ao normal.
-Não deixe essas pessoas te aborrecerem, jovem - disse a senhorinha, virando-se para ela. - Você vale muito mais que elas.
Louise abriu um sorriso amarelo, tentando acreditar naquelas palavras, mas enquanto isso, deveria cumprir suas tarefas sem pestanejar.
-Mamãe, estou indo ao mercado - disse Nana arrumando seu chapéu - e Louise me acompanhará.
Helena levantou a cabeça e tombou levemente para o lado.
-Por quê? - Sua mãe se aproximou da filha ajudando-a colocar o chapéu - leve Marise com você.
Nana soltou um sorriso debochado.
-Marise mal sabe carregar uma cesta de pães, quanto mais sacolas de frutas.
Helena olhou para a filha desconcertada. Em pouco tempo ela soube que sua nora não fazia absolutamente nada sem ajuda de outras pessoas, era completamente imatura e dependente, porém teria de aprender, pois era melhor ela como nora que uma escrava.
-Deixe-a ir só. Ajude-me a bordar.
-Mamãe, como espera que eu me torne uma boa esposa se não sei sequer escolher frutas? Louise me ajudará.
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Era uma vez uma época
Romance"A escravidão é a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, ao qual é imposta tal condição por meio da força". No século XIX a escravidão estava em seu apogeu, mesmo sobrecarregados, os...