Don't Touch Him

4.1K 319 6
                                    

Cheguei na China já a noite e segui para o quarto de hotel que eu havia reservado, não iria para o Instituto ou minha casa em Pequim ainda. Estava com um mau pressentimento e aquilo estava começando a me sufocar.

Sem me dar ao luxo de um descanso, tomei um banho demorado e me preparei para sair novamente. Pretendia vigiar o apartamento do Miguel naquela noite, pelo menos para garantir que meu pressentimento estava errado.

Fiquei empoleirada no terraço do prédio vizinho, enquanto observava o apartamento dele pela enorme janela de vidro que dava visão para a sala de estar. Estava tudo quieto.

Depois de um tempo sem nenhum sinal de vida, Miguel apareceu na sala com a filha no colo e a colocou no chão, Miranda possivelmente estava fazendo hora extra. Jane estava bem maior do que a última vez que a vi, enquanto Miguel não havia mudado nada. Sorri ao ver os dois brincando e logo senti algo escorrendo pelo meu rosto, limpei rapidamente a lágrima que insistia em cair sussurrando para mim mesma que chorar agora era burrisse.

--Sabe quando foi a última vez que te vi chorar? -- Ouvi uma voz perguntar atrás de mim, mas nem me dei ao trabalho de me virar. Segundos depois, Hyunjae se abaixou ao meu lado observando o apartamento de Miguel. -- Na vídeo chamada que você fez para o meu irmão, quando você acordou do coma e descobriu que um dos seus melhores amigos quase matou uma criança.

--Acho que já faz um bom tempo então... -- Sorri de canto, ainda observando Miguel e Jane brincando.

Jae fez menção de perguntar alguma coisa, mas se interrompeu quando um estrondo se fez presente ao longe. Pela janela de vidro, consegui ver quando Miguel colocou Jane atrás de si e alguns homens de preto adentraram a sala com lâminas serafim em mãos. Eram caçadores. Nossa espécie estava começando a caçar uns aos outros novamente. Por que eles acham que se diferenciam tanto dos mundanos sendo que agem quase de maneira idêntica?

Tomamos distância para pular de um prédio para o outro e logo estávamos atravessando aquela enorme janela de vidro. Me choquei contra o chão, usando minhas mãos como apoio enquanto sentia os cacos de vidro me cortando. Ignorando a dor e o sangue pingando, tirei minha lâmina serafim do suporte e fiquei ao lado de Jae, que havia se posto a frente de Miguel de uma forma protetora.

--Boa noite, senhores... -- Mesmo não conseguindo ver o rosto dele, por conta da máscara, tenho certeza que Jae estava sorrindo de maneira irônica. -- Devemos começar a festa?

Dito isso, os três caçadores de sombras a nossa frente avançaram. Enquanto tentava me concentrar em meu oponente, ouvi Jane gritando atrás de mim e Miguel dizendo para alguém se afastar. Consegui tirar a lâmina da mão do meu adversário e enfiei a minha em sua barriga, vendo o corpo do homem cair no chão com um baque surdo. Sinto falta da época em que eu não precisava matar minha própria espécie.

Afastando esses pensamentos, tirei minha lâmina da barriga do homem e arremessei em direção ao outro que estava tentando chegar até o Miguel.

--Não encosta nele. -- Sussurrei entre os dentes.

Olhei para trás, checando se Jae estava bem, e vi que ele apagou o outro cara facilmente. Se algo acontecer com esse garoto, Ryan me mata. Soltei um suspiro cansado e passei direto por Miguel, que encarava a nós dois com um olhar espantado enquanto acalmava Jane. A garotinha estava chorando apavorada nos braços dele.

--Quem são vocês? -- Miguel perguntou, enquanto eu recolhia minha lâmina.

Em resposta, Hyunjae tirou a máscara e abaixou o capuz da jaqueta, mesmo um tanto receosa imitei o gesto dele. Miguel arregalou levemente os olhos puxados, logo os fechando por alguns segundo e suspirando aliviado.

--Obrigado... -- Disse ele, praticamente em um sussurro. Parecia em choque.

--Desculpe pela janela. -- Jae apontou para onde a janela deveria ficar, fazendo o outro rir fraco. -- Era o jeito mais rápido de entrar aqui.

--Considerando o que poderia ter acontecido, a janela é o de menos.

Limpei a garganta, chamando a atenção dos dois. Miguel parou seu olhar diretamente nos meus e eu senti um nó se formar em minha garganta. Merda.

--Fala com ele, Jae. -- Minha voz saiu áspera, mais do que o normal. -- Vou dar uma volta, ver se tem mais alguém por aqui.

Sem esperar a resposta dos dois, apenas deixei o apartamento pela porta da frente, que havia sido arrombada pelos invasores minutos antes. Não conseguia ficar muito tempo no mesmo espaço que Miguel, não mais. Parei na escada da saída de emergência e me sentei ali.

--Que droga...

Passei as mãos, já curadas, pelos meus cabelos brancos, em sinal de frustração e fitei o chão. Achei que tivesse superado. Parecia que tinha superado, mas na verdade foi tudo por causa da distância. A distância me fez achar que estava tudo bem.

Fui tirada de meus pensamentos com o sons de passos descendo as escadas e logo um pequeno ser se sentou ao meu lado.

--Meu pai sente sua falta, sabia? -- Jane perguntou, quase em um sussurro e eu direcionei meu olhar para ela. Quantos anos essa garotinha tinha? Sete? Oito? A idade dela era quase a quantidade de tempo que Miguel e eu ficamos sem nos falar. -- Mamãe me disse que ele ficou assustado quando você decidiu ir para New York com o meu tio. Você nunca havia saído do lado dele antes.

--Eu precisei... -- Disse simplesmente.

--Foi o que minha mãe disse para ele. -- Jane deu de ombros. -- Sabia que meu pai vive contando histórias sobre você para eu dormir? -- Franzi o cenho e a garotinha riu fraco. -- A minha favorita é filha do silêncio. Acho que já fiz ele me contar essa centenas de vezes. -- Nós duas demos uma risada curta.

--Quantos anos você tem?

--Sete. A mesma quantidade de anos que você e meu pai ficaram sem se falar. -- Comentou o que eu estava pensando segundos atrás. -- Tio Jae contou porque vocês voltaram.

--Miguel deixou você ouvir?

Jane negou com a cabeça.

--Ouvi atrás da porta.

--Mal te conheço, mas já virou meu orgulho. -- Ergui minha mão e a garotinha riu, chocando sua mão com a minha. -- Acho que vamos nos dar bem, baixinha...




Filha do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora