Capítulo 2

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"Jesus chorou..."
João 11.35

O ano não importava, não quando as lembranças permaneciam freneticamente em sua mente. Fora difícil perdoar aquele a quem deveria amar. E apenas o que fazia era ir até o seu túmulo e forçar a sua mente a esquecer tudo o que vivera.

A última lembrança era amarga demais para ser lembrada, no entanto, foi impossível não sonhar com ela durante os últimos anos. As brigas, os palavrões, a faca, a mesa, fizeram parte daquele crime. Era apenas um menino assustado tentando proteger a mãe contra o monstro do seu pai. Ele o odiava com todas as forças e se pudesse o mataria. E foi o que decidiu fazer naquela hora, pegou uma tesoura que sabia onde sua mãe guardava e esperou o momento certo para atacá-lo. O pai urrou quando percebeu o objeto fincado em sua perna. O menino arregalou os olhos assustado e começou a chorar. Tentou correr e se jogar nos braços daquela que o protegeria, entretanto, o inevitável aconteceu. Sua mãe morreu!

Os anos seguintes após a morte de sua mãe foram os piores possíveis. Já estava com oito anos e tudo o que desejava era fugir de casa. Todos os dias era aquela velha história, seu pai chegando tarde da madrugada bêbado, tirando-o da cama e batendo sem motivo, mas sempre deixando claro que a culpa era dele. O menino não aguentava mais aquela vida e tudo o que desejava era que o velho morresse. Havia tanto ódio naquele coração carente que seu comportamento começou a mudar dia após dia.

Brigas faziam parte da sua rotina escolar. Suspensões eram sempre bem vindas. O pequeno menino não se importava com as consequências dos seus atos. De acordo com a justiça seu pai nunca fora culpado pela morte da sua mãe, e porque ele, apenas uma criança se culparia por seus atos?

O percurso da vida muda quando menos imaginamos. O pai teve um derrame inesperado, e o que restara era apenas um homem na cama e um menino que o odiava.

Victor se revirou na cama mais uma vez, inconformado. Por que aquelas lembranças nunca o deixavam? Isso havia acontecido há tantos anos que já deveria ter esquecido. Era um homem adulto, em uma boa profissão e que já enfrentara muitos desafios, e porque aquilo ainda o atormentava? Um psicólogo formado com honra que não conseguia se libertar do seu próprio passado! Bufou ao sair da cama.

Olhou o relógio da cabeceira indignado. E mais uma noite se passou, eram cinco horas da manhã e novamente não conseguiu dormir direito. Alias, fazia meses que passa por isso, insônias, pesadelos e o coração acelerado. Trocou de roupa, calçou um tênis e saiu pela porta da sua casa. A única coisa que renovava suas forças todas as manhãs era a corrida. O momento que sentia uma conexão grande entre ele e seus pensamentos. Só assim tinha força o suficiente para enfrentar mais um dia e principalmente, o seu passado.


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