Capítulo 20

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"A tristeza segundo Deus não produz remorso, mas sim um arrependimento que leva à salvação". II Co 7.10

Fernanda havia acabado de escutar toda a história sobre o passado de Victor. Sabia que fora arriscado sair sozinha de casa, ainda mais sendo noite, mas precisava saber quem ele era de verdade. Sua história era muito triste, tudo o que vivera no passado a deixou com o coração na mão. Era como se compreendesse a sua dor e tudo o que desejava era que ele nunca tivesse passado por aquilo.

Não sabia o que estava fazendo, mas ficou parada ao lado da porta com os olhos perdidos. Sua mente pedia para fugir, mas seu coração queria continuar ali. Quando Victor trancou a porta da sala seus olhos se encontraram. Ele não soube o que falar, e Fernanda apenas o encarava diferente das outras vezes. O psicólogo contemplou o seu olhar e pela primeira vez rendeu-se. Sabia que os olhos revelavam muitas coisas e deixou ser guiado pelo olhar profundo da sua parceira.

_ Victor! – sussurrou e se aproximou sem tirar os olhos dele _ Sinto muito por você ter passado por tudo isso. Não merecia!

Ele continuou a encarar em silêncio. Fernanda estudava os seus traços, principalmente o seu olhar. Sabia que ele era uma incógnita, mas a vida que teve não fora fácil. Isso não apagava o passado, mas sabia como isso influenciava no futuro.

_ Tudo bem! – escutou a voz baixa dele. Não tinha certeza, mas parecia ter sentido um tremor em sua voz.

_ Ninguém nunca lhe disse isso?

Percebeu o suspiro pesado que dera involuntariamente. Desviou os seus olhos e manteve seu corpo longe dela, pronto para dar o primeiro passo rumo à saída da escola.

_ Ei... Está tudo bem, Victor! – ela segurou a sua mão o fazendo parar _ As pessoas não sabem o que fazem.

_ Me solta! – escutou a voz forte dele.

Fernanda sabia o que havia falado para si mesma, que o manteria longe, que ele iria conhecê-la de verdade, mas estava pensando no sentindo oposto e não na pessoa calma que estava se transformando ao ouvir a sua história.

_ Victor... Olha pra mim! – pediu gentilmente apertando a sua mão.

_ Fernanda, sou um monstro, é melhor me soltar... Estou avisando – a voz tornou um tom diferente, mas ao final percebeu o desespero que ele mesmo tentava dissipar.

_ Não irei te soltar, Victor! Não importa o que você fez, estou aqui... Te esperando.

Ele não disse mais nada, apenas respirou profundamente. Sentiu a maneira forte que começara a apertar a sua mão. Não era para machucá-la, parecia tentar encontrar forças de algum lugar para o que estava sentindo.

Com passos delicados, e ignorando o rompante do seu coração ela se aproximou ficando de frente para ele. Seus olhos estavam vermelhos e o maxilar duro, tentava se conter a todo tempo. Ela não aguentou vê-lo daquele estado. Já não sabia quando seus sentimentos por ele começaram a mudar, mas não importava. Precisava fazer algo.

Gentilmente tocou o seu rosto, e beijou sua bochecha demoradamente, um ato de carinho, de amor genuíno. Ela sentiu o seu arfar com o toque. Da mesma maneira beijou o outro lado da bochecha, e depois pousou seus lábios sobre a sua testa. Em cada beijou ele arfava, mas no sentido mais puro e doloroso que já ouvira. A necessidade do toque, da cura sendo exalada daquela maneira a deixou emocionada. E pela primeira vez, percebeu o seu papel naquela história.

_ Realmente, sinto muito – sussurrou as palavras e beijou as suas mãos.

Ele abriu os olhos naquele instante e deixou que uma lágrima caísse. Fernanda pousou a mão sobre a lágrima e a pegou para si. Victor não precisava mais sofrer. Ele já provara o suficiente de que havia mudado. Não havia mentira alguma naqueles gestos.

Ele tentara fugir deles, fora o mais sensato dos dois, mas talvez não fosse isso que Deus quisesse. Em meio a todo o conflito em suas emoções uma luz se apoderou dela, tão clara e brilhante que ela não tinha dúvidas. Nada acontecia por acaso, nem um fio de cabelo caía da cabeça sem que Deus permitisse. Ele havia criado aquele dia, o momento, e para tudo havia um propósito, mesmo que ainda não compreendesse perfeitamente.

O silêncio se aproximou. Pela primeira vez não era algo incômodo, mas a quietude que ambos precisavam naquele instante. Há momentos em que as palavras não saem da boca, apenas sensações de que o momento por si só já fora significante. E a passos lentos e confidentes caminharam rumo a casa. Não houve mais toque, mas a distância necessária para a cura que ele precisava.


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