"Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos". João 15.3
Segunda-feira era sempre dia de mudanças. Era nesse dia que se começava a dieta, o exercício, o curso, ou alguma transformação que as pessoas sempre planejavam. E fora nesse dia que Fernanda decidiu colocar o seu novo plano em ação.
Havia muitas barreiras para serem quebradas, mas uma das que mais importavam havia caído ao chão. Melissa estava com ela. Ambas sabiam que não seria fácil. Algo grandioso crescia em seu peito, uma necessidade urgente de mostrar o amor incondicional para Victor.
Após um café reforçado, colocou um caderno, caneta, Bíblia e uma garrafa em sua mochila. Pegou a bicicleta enferrujada que ainda existia naquela casa e saiu pelo bairro. Não tinha nenhum plano, apesar de precisar de um. Precisava se calmar para saber como demonstrar o amor, como fazer alguns familiares entenderem que o perdão era a chave de tudo, e que guardar rancor apenas afastaria uns dos outros.
Não era dia de visita no presídio, se fosse, estaria pedalando para aquele local. Por vários momentos pensou que estava sendo egoísta. Era como se todos tivessem que aprovar o que sentia por Victor. Mas, ela sabia, realmente precisava do aval da família, e isso a frustrava. Não era mulher de ficar se sujeitando a necessidade da aprovação. Era exatamente o oposto.
Desde a adolescência fazia o que queria, e justamente por isso que saiu de casa para estudar em outra cidade. Queria a sua liberdade! E conseguiu por alguns anos, mas agora estava de volta na casa dos pais, morando com eles e sendo obrigada a se sujeitar a essa nova vida. Era o momento de baixar a sua guarda.
Se ela queria uma transformação, mostrar o que o amor poderia fazer, vivê-lo incondicionalmente, a primeira pessoa que realmente precisava ter essa mudança era ela mesma.
Fernanda soltou um suspiro com a constatação. Por muitas semanas sentiu uma raiva muito grande por Érique. Odiava relembrar o jeito que ele a olhou quando descobriu quem era Victor. Aquilo abalou o seu coração. Era como se ele a culpasse pela morte da sua irmã. Ele não quis conversar, não queria compreendê-la, e da mesma maneira ela fechou seus ouvidos e não quis saber o que ele realmente sentia. Talvez a misericórdia devesse partir dela.
Continuou pedalando pelo bairro, se distanciando cada vez mais de casa. Quando percebeu estava entrando em um lugar conhecido, onde já fora o plano de fundo para muitas risadas e encontros de família.
Escutou um som animado e conforme se aproximava avistou as crianças correndo pelo imenso jardim dos sogros de Melissa. A felicidade deles deixou seu coração mais tranquilo. Talvez Érique e a irmã tivessem feito as pazes. Encostou a bicicleta em um tronco de árvore qualquer e quando se virou, os sobrinhos vieram correndo ao seu encontro. Sorriu, extasiada! Amava-os demais, e sentir a alegria deles em vê-la a deixou emocionada. Com uma força que não sabia de onde vinha conseguiu pegar os dois no colo e os encheu de beijos.
_ Que saudades de vocês!
_ Tia, você vai levar a gente para a praia também? – Vitória a fitou com os olhos brilhantes.
_ Claro, meu amor. Se os seus pais deixarem um dia podemos fazer isso.
De repente, o semblante da menina doce e carismática se transformou, mostrando uma tristeza que tentava disfarçar. Ela bufou, pegou o irmão pela mão pisando duro e se afastou. Fernanda a encarou surpresa. O que havia feito de errado?
Observou o ambiente ao seu redor e ao longe reconheceu Érique. Ele a encarava com os braços cruzados. Vitória passou pelo pai como um furacão. O cunhado tentou falar algo com a filha, no entanto, para o seu espanto, ela o olhou com cara feia e bateu a porta na sua cara.
Talvez as coisas estivessem longe de se resolver. Era triste ver que até a Vitória estava sentindo o clima pesado entre os pais. Ela não merecia viver naquela situação.
Sentiu uma lágrima rolar sobre a sua face e fechou os olhos, respirando profundamente. Com passos lentos e decididos caminhou até onde o seu cunhado estava. Não sabia o que estava fazendo, e se realmente tinha forças, apenas precisava resolver aquele assunto antes que mais pessoas fossem machucadas.
_ Então, a ovelha negra decidiu aparecer e encarar o estrago que fez – murmurou friamente.
Fernanda sabia que ele não facilitaria a situação, apenas precisava proteger a sua alma para não se sentir ainda mais arrasada.
_ Sei que você não acredita em mim. Acha que trouxe o Victor para a nossa família de propósito, mas se realmente me conhecesse saberia que jamais magoaria vocês a esse ponto. Mas, enfim... Tem coisas que só o tempo pode mostrar – olhou para o céu tentando se manter forte _ Vamos parar com esse desentendimento. Tudo isso está destruindo a nossa família, você e a Melissa, as crianças – Érique ameaçou retrucar, mas ela fora mais rápida, levantou a mão e o fitou seriamente. Olhou dentro dos seus olhos como nunca havia feito. E nos poucos segundos que conseguiu forças para fazer aquilo sentiu uma fraqueza a dominar. Érique estava sofrendo, a dor estampada em seus olhos, mesmo cheio de ódio e rancor, era desesperadora. Ele estava tão perdido quanto ela.
Não conseguiu se conter e começou a chorar na sua frente. E nem por um momento ele se sensibilizou. Seu semblante continuava frio, como se estivesse vendo uma atriz interpretar um drama desnecessário. Fernanda reuniu a coragem que precisava para dar um basta na situação. Não poderia continuar com aquele plano, se continuasse, sua família seria destruída.
_ Está bem! Vamos parar por aqui. Ficarei longe do Victor, o apagarei da minha vida, nunca mais o verei, mas, por favor, traga o Érique que a Melissa conhece de volta – implorou angustiada _ As crianças precisam do pai amoroso que você sempre foi. Não me importo com mais nada, apenas quero ver a minha família unida e sem rancor algum entre nós. Podemos fazer isso?
Pela primeira vez ela conseguiu a sua atenção. Érique ficou em silêncio, e por um instante se desarmou. Fernanda não falaria isso da boca para fora se estava decidida. Ela era independente e com opinião própria, diferente das suas irmãs. Soltou um suspiro quase imperceptível e a fitou por alguns segundos.
Fernanda e Érique ficaram frente a frente, se encarando. Um desafiava, outro implorava, e conforme o tempo passava os muros foram desaparecendo, não completamente, apenas alguns centímetros para que pudessem levantar a bandeira branca. E foi dessa maneira, sem falarem uma única palavra que se entenderam.
A morena se afastou, e com passos lentos e pesarosos saiu da casa. Não havia planejado, mas era como se fosse a coisa certa a se fazer. Sentia seu coração sangrar por ter arrancado Victor da sua vida, e dessa vez, para sempre!
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Incondicional
RomanceFernanda era uma mulher bem sucedida profissionalmente. Com seus 26 anos tinha uma vida estável, mas ainda não se apaixonara. Apesar de ser uma mulher cheia de atitude, carregava algo que a impedia de amar. No entanto, o destino a fez conhecer Victo...