"Eu tentei, por algum tempo, esconder de mim mesmo o meu pecado. O resultado foi que fiquei muito fraco, gemendo de dor e aflição o dia inteiro". Salmos 32.3
Cada ser humano tem algo guardado a sete chaves dentro si, a liberdade total, a cura que todos ansiavam mesmo que ainda não percebessem, as vezes demorava a chegar. Ver alguém que se tornou tão especial prostrado ao chão por suas dores era uma das cenas mais tristes que Victor já vira.
Durante o trajeto de carro até Florianópolis ele percebeu que sua colega não estava bem. Sabia que o silêncio era sempre o melhor mediador para momentos assim. Quando a viu sair do aeroporto sabia que não podia deixá-la sozinha. Pegou as duas malas e correu em sua direção. Quando a viu soluçar de aflição sentiu uma dor aguda em seu peito. Era como olhar sua esposa sofrendo por tudo o que ele causara em sua vida. Tudo o que Fernanda não queria era um sujeito como ele, mas a vida pregou uma peça nenhum pouco engraçada, mas que estava queimando o seu coração gradativamente.
Com a cabeça encostada delicadamente em seu peito ele podia sentir o perfume dos seus cabelos. Fechou os olhos e inspirou lentamente. Fernanda tinha uma postura forte e determinada, e talvez não imaginasse a pessoa doce e incrível que era. Victor não resistiu e passou o outro braço tendo-a toda para si, para um abraço que precisava sentir há muito tempo. Ela não resistiu, deixou ser abraçada. Ficaram naquela quietude por muito tempo. Victor queria dizer muitas coisas, mas nada seria o suficiente para descrever aquele momento. A paz que os uniu, a cumplicidade que ambos sentiam, até Fernanda se despertar do transe.
_ Acho que perdemos o voo – sua voz saiu sussurrada.
_ Pegamos o próximo – respondeu tranquilamente com a intenção de continuar daquele jeito, mas sua colega não pensava da mesma forma.
_ Melhor irmos – levantou-se e com a mão tirou a areia da sua roupa.
Victor pegou forte em suas mãos e a encarou. Ela tentou desviar, mas não conseguiu. Ele viu tanta fragilidade naquele olhar que sentia urgência em ajudá-la.
_ Por que está aqui?
_ Nossa chefe mandou... – sorriu sem graça.
_ Por que você fugiu do aeroporto?
Fernanda desviou o olhar e encarou o mar por alguns minutos.
_ Estava me sentindo sufocada – parou de falar e ficou em silêncio por alguns instantes _ É estranho, mas desde que te conheci sinto que vou explodir a cada momento.
_ Sou tão ruim assim? – ele arqueou uma sobrancelha querendo compreender.
_ Não é essa a questão – deu um sorriso torto _ Não é culpa sua, mas é como se alguém quisesse nos colocar cara a cara e revirar tudo o que tentamos esconder.
_ E o que você esconde que não pode me contar? Você conhece o meu passado, sabe quem sou. Eu contei a minha história, preciso que conte a sua.
Fernanda suspirou pesadamente e seus olhos se encheram de lágrimas.
_ Talvez seja melhor te contar. Sou como você – o encarou por um instante e voltou a sentar na areia da praia _ No começo da minha adolescência... Não lembro exatamente o dia, mas ainda era muito cedo, estava na cama sonolenta quando percebi meus primos rirem e de repente entrarem no quarto, um deles colocou o seu corpo sobre o meu. Estava de costas, fiquei confusa com aquilo... Ele não me tocou, mas por um instante insinuou sobre mim como se tentasse fazer... Bom, você sabe - silenciou-se por um instante _ Eu fingi que dormia, não sabia como reagir e eles foram embora. Eles nunca disseram uma palavra sobre aquilo, eu nunca comentei com ninguém, apenas fingi que nunca aconteceu. Mas, o pior aconteceu depois... – ela abaixou a cabeça incerta sobre como falar _ Depois daquilo comecei a ter umas vontades estranhas, até que um dia descobri o que era.
Ela se calou e continuou cabisbaixa. Victor se aproximou lentamente e se agachou. Gentilmente tocou o seu queixo e compreendeu a tristeza e a vergonha que tinha das suas atitudes. Ele não a julgou, pegou em uma de suas mãos e apertou carinhosamente tentando tranquiliza-la.
_ Não importa o que seja, pode me contar.
_ Isso pode nos afastar – sussurrou _ Talvez seja melhor – Victor a encarou não compreendendo, mas deixou que continuasse. Ela estava decidida a continuar até o fim dessa vez _ Não sabia o que era aquilo até meses depois aprender sobre isso em uma revista. Lá dizia que era algo natural, que todos precisavam conhecer a si mesmo, e se tocar não era algo errado. Fiquei confusa, porque toda vez que eu me tocava sentia totalmente o oposto. Suja e impura era como me chamava. Não entendia como isso podia ser uma coisa normal se me sentia tão mal. E o tempo foi passando, fui crescendo e conheci o mundo da pornografia. Na época fiquei com tanto medo de me tornar uma viciada que chorava toda vez que fazia isso, mas quando a vontade batia não conseguia controlar. Um dia assisti uma palestra e sem que esperasse falava justamente sobre isso – ela parou de falar e o encarou _ Foi no dia 27 de Julho no pavilhão principal da faculdade, há dois anos, em Itajaí.
_ Dois anos? – ele a encarou perplexo.
_ Sim, Victor, foi uma palestra que você deu. Lembrei disso recentemente.
Ele soltou um suspiro impressionado em como suas vidas há algum tempo se interligavam.
_ Não tem ideia de como essa palestra me fez entender muitas coisas que aconteciam comigo. O pequeno ato da insinuação ao sexo foi algo sujo para uma menina de apenas dez anos. Eu era pura até aquele dia, não sabia que isso me afligiria tanto a ponto de precisar me tocar por tanto tempo. Percebi que se não parasse as coisas poderiam piorar. Não queria virar uma viciada e muito menos perder tanto controle e me tornar alguém pior, como essas pessoas que abusam de pessoas inocentes...
_ Fez a escolha certa, Fernanda! E não precisa se envergonhar do seu passado.
_ É difícil me libertar disso, parece que isso me persegue a todo instante. Se vejo uma cena sensual já quero me esconder como se alguém estivesse me condenando. Só consegui me tornar mais forte quando me apeguei em Deus. Orava todo o dia pedindo que ele devolvesse a pureza sexual em minha vida. É um processo...
_ Um processo que você está conseguindo. Mas, isso não te torna um monstro como você pensa. Isso nunca se igualaria a mim, você não machucou ninguém, apenas a si mesma – ela o encarou negando o que o psicólogo tentava dizer. Victor passou a mão delicadamente sobre o seu rosto tentando chamar sua atenção _ Fernanda, você não merecia perder a pureza tão cedo. Você não queria isso, não era o tempo de uma menina ter essas descobertas ainda mais de maneira tão invasiva. Deus não te culpa por isso. E eu continuarei a te olhar com os mesmos olhos.
Ela fechou os olhos ao escutar aquelas palavras. Ele permaneceu no mesmo lugar, acariciando calmamente o seu rosto, dando todo o carinho e compreensão que ela precisava. Victor beijou sua testa carinhosamente como ela havia feito dias atrás quando descobriu todo o seu passado. Lentamente beijou sua bochecha e encostou sua testa na dela soltando um suspiro.
_ Você é uma mulher forte, Fernanda! Se eu pudesse... – desistiu de falar ao perceber a maneira como ela o encarava. Intensa e profunda com um brilho arrebatador nos olhos. Quando abriu um sorriso ele sentiu seu coração bater ainda mais rápido. Seus rostos estavam encaixados, os lábios a pequenos centímetros de distância. Podiam sentir o calor que emanava deles sem se tocarem, mas da mesma maneira que havia a intensidade para se beijarem, uma força maior os puxava de volta, afastando-os lentamente.
_ Obrigada por não me julgar – Fernanda sussurrou.
_ Sempre vou estar aquipra você – ele deixou que as palavras saíssem revelando bem mais do quepretendia, mas o único barulho que ouviram depois disso foram as ondas agitadasdo mar. Um reflexo de seus próprios corações.
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Incondicional
RomanceFernanda era uma mulher bem sucedida profissionalmente. Com seus 26 anos tinha uma vida estável, mas ainda não se apaixonara. Apesar de ser uma mulher cheia de atitude, carregava algo que a impedia de amar. No entanto, o destino a fez conhecer Victo...