32 - Grace

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Vinte e um.

Vinte e dois.

Vinte e três carneirinhos.

Entre um número e outro minha mente sempre se distrai e desvia meu foco para outros pensamentos. Todos esses geralmente habitados por uma morena sensual dona de penetrantes olhos castanhos. E de belas e longas pernas torneadas.

Vinte e quatro.

Uso toda minha reserva de força para continuar a contagem.

Vinte e cinco.

Vinte e sete.

Droga, acho que errei. Vamos lá.

Vinte e oito.

Vinte e nove.

Quarenta.

Opa. Não, depois do vinte e nove é trinta.

Mas lá estava ela de novo. Olivia Hendrix seminua, esbanjando todo o seu 1,79 de completa perfeição e luxúria.

Olivia! Sai da minha cabeça, eu preciso dormir!

Inspirei fundo o ar frio de Milão e recomecei a contagem.

Um.

Dois.

Três carneiros.

Meus olhos se abrem abruptamente na escuridão quando ouço o leve bater na porta de acesso ao corredor. Tateio o criado mudo ao meu lado até encontrar o interruptor do delicado abajur francês e pisco repetidas vezes quando sua luz é espalhada pelo ambiente.

Espero alguns segundos em silêncio, receiosa de estar sendo traída pela imaginação fertilizada de uma noite insone. Mas não. As batidas estão lá. Hesitantes e envergonhadas, quase como se torcessem para não ser ouvidas, mas ainda assim lá.

Ponho as pernas para fora da cama e só visto um hobby qualquer por cima da camisola de cetim. Rumo até a porta e a abro devagar.

- Olivia?

- Oi. - Ela sorri amarelo ao me encarar antes de descer o olhar pelo meu corpo muito bem marcado pela camisola fina.

Ficamos assim por alguns segundos. Nos comendo com os olhos, como nos velhos tempos. Registrei pela milésima vez cada pedacinho do seu corpo, com o qual fantasiei e me deliciei pelas duas últimas horas. E ela, Deus, fez inimaginavelmente pior comigo. Cada célula do meu ser sentia seu olhar quente e cortante me penetrando, incendiando minhas entranhas de dentro para fora. Era quase indecente a forma como meu coração se alecerou com a infinidade de lembranças que rondaram minha memória.

- Eu não devia ter vindo. - Ela diz com um suspiro cansado e quase dolorido.

- O quê? - Levo um instante para perceber sua fala e quando o faço sinto um esmagador aperto na garganta.

A morena estava quase se virando de costas quando agarrei seu braço até fazer afundar as minhas curtas unhas em sua pele.

- Grace... - Ela arfa com um misto de prazer e dor.

- Desculpa. - Balanço a cabeça para me livrar da culpa que veio junto a outros pensamentos dispersos. - Mas você não pode bater na minha porta as duas da manhã e ir embora sem falar nada comigo.

- Tem razão, eu... - Outro suspiro. - Posso entrar?

- Claro.

Ela arruma o hobby que vestia por cima da camisola e entra no quarto.

- Uau. - Leva a mão na testa em sinal de desespero.

- O que foi?

- Precisamos conversar.

Direta, rápida, sincera. Gostei.

- Sim. - Engulo em seco.

Ela se senta na beira da cama e me olha por alguns segundos antes de puxar ar para dentro dos pulmões.

- Laurence e eu vamos para Nápoles no fim desta semana.

- Hum... - Franzo o cenho, sem entender. - Que... Legal.

- Você não entendeu, Grace. Não vamos mais poder nos ver.

Okay. Agora é bem sério. Sem controle algum, sinto meu coração redobrar as batidas. Respiro fundo uma, duas, três vezes.

Ela está terminando comigo.

- Tudo... bem. - Engasgo com as palavras.

- Me desculpe. - Seu olhar parte o meu coração em mil pedaços. Me obrigo a cruzar os braços para me proteger de seja lá o que for essa sensação estranha. - Não sei até onde achamos que esse nosso... lance iria chegar. Mas sei que agora precisa acabar.

- Eu sei. - Queria estar mentindo, mas não estou.

Eu sei desde que a vi olhando para Laurence na festa de noivado de Lottie e Andy. ''Eles são como nós agora.'' Heteros e felizes em seu relacionamento aberto ao público.

Livres de um jeito que eu jamais fui. 

- Vou sentir sua falta.

- Também sentirei a sua. - Aperto mais o braço junto ao peito quando um violento arrepio me percorre. - Prometo não contar a ninguém. 

- Obrigada. Eu... vou fazer o mesmo.

Ela se levanta e, esse tão pequeno e insignificante ato, faz minhas pernas bambearem.

Fecho os olhos quando seu corpo se aproxima o suficiente para que eu possa sentir seu cheiro. Tento não respirar mas eu um segundo tudo falha de uma fez.

Seu abraço me aperta tão forte contra o peito que é quase como se fôssemos nos fundir. O cheiro de frescor e de América entra por minhas narinas e aquece meus pulmões com amor e saudade. Mas a última coisa que sinto, a que mais marca, é o casto beijo que me é depositado na testa.

Um sinal de respeito e amizade.

Prometi para mim mesma que não choraria por Olivia Hendrix. Mas meu mundo desabou quando ouvi o clic da porta se fechando.


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