Outro sim

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A oficina parecia concordar com a situação drástica na qual estavam Luccino e Otávio. Na penumbra, os dois se escondiam como se fossem apenas metade do que eram anteriormente. De portas fechadas, de pé e sem nada dizer um ao outro, enquanto o italiano sentia o estômago queimar, o capitão percebia seu corpo todo frio e anestesiado.

"Tive que fazer. Não tem outra escolha para mim..." Sussurrou Otávio, realizando uma súplica silenciosa com seus olhos.

Luccino ponderou à respeito do que acabara de escutar.

"Eu não vou te criticar, Otávio. Cada um é responsável pelas escolhas de sua vida. Eu só queria que por alguma sorte você tivesse dito sim para mim, não para Lídia." Ele respondeu, a voz embargada de choro.

As lágrimas começaram a escorrer dos olhos de Otávio.

"Vamos partir para a capital logo que amanheça. Dona Ofélia está em polvorosa. Depois, caso eu não me estabeleça por lá, voltamos para cá. Mas a ideia é que fiquemos lá."

Luccino assentiu com severidade.

"Como foi para você? Dizer esse sim?"

"Algo que eu nunca gostaria de ter aprendido a dizer."

"E que eu não queria ter escutado..."

O mecânico também passou a chorar, seu corpo inteiro tremia de desânimo e frustração. Ali, vulnerável, Otávio o cercou com os seus braços, igualmente tão frágeis que nenhum dos dois quis negar o movimento.

"Luccino, eu não vou conseguir. Lídia é a mulher mais sedenta do Vale. É linda, mas não vou saber ser o marido que ela quer." Disse Otávio, seu desespero tomando forma.

"Há de conseguir. Ou não manterá sua honra", Respondeu Luccino, amargo.

Otávio odiou a si mesmo por ter plantado aquela mancha de amargura no coração de seu doce Luccino.

"Agora já não se trata mais de honra. Apenas de fazer as coisas, não é? Não temos escolha. O mundo não aceita pessoas como nós."

"Eu aceito você, e isso basta. Eu te amo!", O italiano soltou de uma vez.

Otávio recebeu as palavras como um estilhaço no peito. Era tudo que queria ouvir, mas não naquela despedida...

"Eu também te amo, Luccino."

"Fuja comigo! Vamos para a capital..."

"E desonrar o nome de Lídia? Vamos ser caçados até a morte."

Luccino negou enfaticamente, mas nada disse. Otávio respirou fundo, o silêncio noturno da oficina já lhe dando nos nervos. Queria barulho, para que não pudesse ouvir nada do que passava por sua cabeça.

"Mas se você for embora eu é quem vou morrer!" Luccino foi afinando cada vez mais a voz até cair num choro intenso, desesperado e sem medidas. Otávio tremeu, trazendo a cabeça dele para seu ombro enquanto tentava se manter forte. O mecânico voltou ao ritmo normal de respiração bem devagar, seus olhos negros retornaram diferentes à superfície. "Mas ninguém morre de amores, não é?"

Otávio recebeu-o com a expressão derrotada.

"Meu querido..." Afagou por um instante o rosto de Luccino. "Meu futuro era você..."

Luccino se afastou. Otávio avançou um passo. Eles ficaram parados, presos no corpo interditado um do outro. Agora teriam de se passar por estranhos, como se nunca houvesse existido um toque secreto entre os dois. Otávio fungou, se aproximando de Luccino para lhe dar um beijo na testa. O italiano devolveu-o com candura, beijando-lhe os lábios por aquela que talvez fosse a última vez.

E quando Otávio ameaçou ir embora, Luccino agarrou-o com força, amassando sua camisa casual, querendo-o inteiro dentro de si para que fizesse parte dele definitivamente e de lá não mais escapasse. O italiano já não coordenava a própria respiração, era um trapo. Agarrou a pele exposta do capitão com seus punhos e deu vários beijos no pescoço de Otávio, fazendo-o gemer. Eram toques brutos. Fazia ganchos com as mãos em seus cabelos, agarrava sua nuca para ter uma última lembrança. E sentia imediatamente as reações do corpo de Otávio ao seu toque, porque sabia tão bem onde ele poderia lhe fazer feliz...

Até que Luccino se interrompeu e correu para outro cômodo da oficina, para facilitar a deixa de Otávio. Se eles permanecessem ali, nunca mais deixariam um ao outro. Até que quando retornou, Luccino sentia apenas o perfume de Otávio no ar, sua sombra sequer se misturara à da oficina. Nem isso teria dele.

O mecânico não dormiu naquela noite. Tonto, foi perceber que o sol ia nascendo e suas esperanças afundando. Ficou a relutar um passo, enclausurado na solidão da oficina. Até que num rompante decidiu correr para o centro do Vale do Café, onde Otávio já se despedia num carro com Lídia. Todos os seus amigos estavam lá. Luccino chegou correndo, afoito, mas o carro deixava o lugar com pressa. Apenas Lídia e o carro, pois Otávio segurava o choro e não poderia se sentir mais infeliz que naquele dia, querendo que as horas parassem.

Otávio cometeu outro erro naquele dia. Enquanto Luccino sussurrava seu nome, desesperado, houve um erro fatal por parte do capitão...

Ele havia olhado para trás...

Com amor, LutávioOnde histórias criam vida. Descubra agora