Estavam os três, mas Coronel Brandão vencia os demais no quesito nervosismo. Pudera: tão logo, questão de horas, casaria com o amor de sua vida, Mariana Benedito. Luccino e Otávio também se aprontavam, mas com a calma que é um luxo dado a quem seriam os padrinhos do casamento. As madrinhas estavam junto da noiva. Otávio se aprumava em frente ao espelho, sorrindo ao perceber o vulto suave de Luccino chegando perto dele. O capitão virou o corpo para olhá-lo mais de perto, em trajes sociais, enquanto ao fundo, as passadas violentas do coronel se tornavam irrelevantes.
Com o olhar hipnotizado por sua presença, Otávio esqueceu-se da tarefa ao espelho para admirar o melhor dos reflexos: o verdadeiro, aquele à sua frente, o doce e nobre Luccino.
"Parece-me que você me sairia um excelente noivo", provocou Otávio, aos risos.
"Eu só não me saio bem com as gravatas", Luccino devolveu o riso apontando para a gravata em seu pescoço, com o nó mais pra lá do que pra cá. Era sempre a Mamma que arrumava para ele, mas como haviam combinado de se arrumar na casa do coronel, ficara a ver navios.
"Eu ajeito pra você. Vem cá", e chamou o italiano, fazendo o nó com habilidade, vez em quando umas olhadelas furtivas para Luccino, que se concentrava em suas mãos habilidosas pensando no que mais elas poderiam fazer. Ele ruborizou apenas com esse pensamento. Otávio por sua vez, se tornara um excelente ladrão e olhares, o único meio pelo qual os dois podiam se amar em público. O olhar de Luccino o rendia como ninguém.
Otávio percebeu o rubor e tomou-o com feições questionadoras.
"Quê?", tornou Luccino, sem saber a razão. Mas o capitão apenas o olhava mais profundamente. Ele deu a última volta na gravata e aproveitou para brincar um pouco. Ele puxou o mecânico bruscamente para perto de si, que puxou o ar frente a surpresa. Brandão continuava a ir de um lado a outro, mas eles tinham sorte: podiam se permitir não serem discretos na frente dele.
Otávio sentiu o tronco de Luccino colado ao seu. Só de estarem tão próximos um do outro era um perigo. O capitão queria admirar cada milímetro do rosto do seu amado, demorando-se na parte que mais gostava: os olhos. O italiano carregava olhos brilhantes, pureza e poder de vontade, tudo concentrado nas suas soberbas íris negras.
"Quê? Tá olhando o quê?", repetiu Luccino.
"Não é bom com gravatas, mas deve ser bom em outras coisas. Esgrima também... Não é muito, não", Otávio riu, vendo a boca de Luccino se curvar lentamente numa expressão amuada.
"Reclame ao meu professor."
Otávio fez-se de contrariado.
"O professor é ótimo. O aluno é que se apaixonou por ele."
Mas aquele diálogo não foi digerido bem pelo mecânico. Ele afrouxou a intensidade dos seus movimentos e saiu de perto do capitão, decidindo que podia terminar o nó da gravata sozinho. Otávio já havia feito um bom trabalho, portanto ele apenas reposicionou a indumentária.
"Que houve, Luccino? Ficou estranho..."
"Como será no casamento?", ele terminou de se vestir e olhou fixo para o capitão, suspirando. Para amenizar o clima, decidiu dar seus últimos ajustes no traje de Otávio. "Fingiremos , como sempre?"
O estômago de Otávio revirou.
"Luccino..."
"Seus colegas estarão lá. Fazendo aquele túnel de espadas. Será que teremos isso no nosso casamento? Se é que poderemos casar..." A fala do italiano tornou-se melancólica, cada nota grave de sua voz reverberando como gume de faca nas terminações nervosas do capitão.
"E-Eu...", Otávio ia dizer algo, mas foi interrompido pela chegada de Brandão. Todos já prontos e a conversa ficaria para depois. No trajeto para a igreja, os três no carro. Brandão não dizia nada pelo nervosismo. Otávio guardava as palavras para quando pudessem ficar a sós. Luccino... Ficava em silêncio porque não poderia dizer nada na presença estranha do motorista de aluguel.
Ao chegarem à igreja, Otávio e Luccino assumiram suas posições de padrinhos. Brandão aguardava Mariana. Otávio posicionou-se ao lado esquerdo do altar da maneira mais próxima que podia, querendo que seus cotovelos ou qualquer parte de seu corpo ficasse próxima de Luccino. Era o modo como poderia expressar que, apesar de tudo, ele estava ali e não abriria mão dele. O restante dos soldados já se formava para o túnel de espadas.
"Quer saber, Luccino? Não quero este túnel. Não quero nada atrapalhando minha visão de você entrando na igreja diretamente para mim."
Luccino guiou o olhar para baixo, tímido.
"Não é mais adequado se entrássemos juntos? Afinal... Somos noivo e noivo."
"Eu já sei. Entraremos cada um com seu florete em punho..." sugeriu Otávio, sonhando, visualizando a cena em sua mente.
"Cada um com um florete...", Luccino repetiu devagar, para tomar a forma necessária dentro do seu pensamento.
"Em punho... Você está esquecendo esse detalhe. Eu pensei em tudo."
"Certo", ele riu. "Em punho".
"Num automóvel emprestado."
Luccino achou graça.
"Automóvel, capitão?"
"Emprestado, esse é o detalhe. Só não sei se o carro vai passar na porta da igreja."
Otávio sorriu. Luccino baixou o rosto.
"Talvez... Nem nos deixem... Entrar na igreja."
O capitão engoliu em seco, vendo que a postura de Luccino voltara a ficar soturna. Interromperam a conversa novamente, pois Mariana empeçava a caminhar para o altar. Os pensamentos de Otávio fervilhavam, os de Luccino se aprisionavam dentro de algum espaço onde não pudessem escoar para canto nenhum. Enquanto Mariana e Brandão se aproximavam do sim, o capitão esbarrou mais próximo de Luccino, que percebeu o movimento e olhou-o espantado. Desta vez, além dos cotovelos, seus braços se tocavam à vontade. Luccino procurou perceber o significado do gesto. O capitão desarmou-se perante aquele rosto em dúvida na sua direção.
Mariana e Brandão diziam sim, Luccino e Otávio também. Otávio soltou uma piscadela na direção do italiano, que sorriu de canto, discretamente. Ele devolveu o gesto e, sem dúvida, tornou a olhar para os noivos com o coração mais seguro.
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Com amor, Lutávio
Short StoryHistórias em formato de conto que criam e recriam cenas do casal #Lutávio, da novela Orgulho e Paixão. Playlist da história no spotify: encurtador.com.br/fnDLR