Cachoeira

139 8 2
                                    

"E essa pessoa... Era você."

Otávio não conseguiu disfarçar o espanto com as palavras de Luccino. Como haviam parado naquele assunto? Apenas queriam desfrutar da companhia um do outro naquela cachoeira paradisíaca e, melhor, solitária. Mas de alguma forma, ambos estavam ali entregues aos olhos um do outro, numa intensidade de sensações que era alimentada pelo silêncio que consumavam. Quando Luccino terminou de falar, Otávio recebeu suas palavras como velhas amigas. Ele sorriu por alguns segundos, mas logo seu lado racional tratou de dizer-lhe... Mas ele é um homem...

Luccino sentiu as lágrimas descendo, o corpo tremendo de frustração. Ora, que óbvio! Era uma fantasia da sua cabeça outra fez. Sobre algo que nunca poderia vivenciar verdadeiramente e em paz. Como pudera se permitir enganar tanto? Traído pelos seus sentidos... Era óbvio que, pela reação estupefata de Otávio, ele nunca tinha sentido o mesmo pelo rapaz, e tudo não passara de uma invenção... Não era verdade?

Magoado consigo mesmo, Luccino se afastou correndo de um capitão ainda embasbacado. Ele foi em direção às águas correntes da cachoeira, onde se meteu para soltar um grito sufocado que deveria ser levado para o fundo. Assim como tudo o que Luccino sentia de impróprio... Por outro homem... E imerso na água fria, decidiu que não queria mais voltar. E nadou cada vez mais fundo, em desespero; dava até para sentir seus braços doendo por tamanha rigidez e esforço. Queria cada vez para baixo, para perder sua consciência, largar suas emoções ali mesmo.

"Luccino!" Gritou Otávio ao perceber que o italiano não retornara.

Ele saiu do torpor no qual se encontrava e entrou na água, buscando algum sinal da silhueta de Luccino. Ao lhe encontrar, pegou firme o rapaz de modo que ele não pudesse relutar o socorro. Seu corpo, apesar, pouco dava sinais de recusa. Poucos instantes de agonia bastaram para o capitão, que saiu da água não tremendo de frio, mas tremendo pela gravidade da atitude do mecânico.

"Acorda, acorda, acorda..."

Otávio levou as mãos ao peito de Luccino, abrindo bem suas vestes para realizar os primeiros socorros com eficácia. Fez a massagem cardíaca. E, em seguida, a respiração boca a boca. Era a primeira vez que tocava nos lábios de Luccino, mas aquilo não o deixava embaraçado. Era uma necessidade, e ele nem tinha pensado em coisas assim no momento. Só o que precisava era um sinal de vida... Apenas um sinal.

Até que o rapaz finalmente tossiu e virou o corpo para o lado, para expelir a água. Após um tempo de desorientação, ele enfim focou a visão para Otávio, assustado e respirando rápido.

"Você está bem? Nunca mais faça isso, entendeu? Pensei que quisesse se afogar!"

"Eu quero. Eu..."

"Não diga mais nada. E-Eu... fiquei apavorado..." Gaguejou Otávio, pálido de medo, os olhos esbugalhados indo de um lado ao outro para o rosto de Luccino.

Luccino tossiu mais uma vez. Seus olhos ardiam.

"Tem razão. Não tenho mais nada a dizer" E aprumou-se para levantar, mas Otávio o puxou de volta. Na cachoeira, a água e barulhando de modo a preencher os espaços vazios das intenção dos dois.

"Era eu. O tempo inteiro era eu."

O italiano engoliu em seco, começando a sentir frio.

"Era você. Nunca houve nenhuma dama. Eu só tenho você, Otávio."

"E-Eu, Luccino? Mas isso... Não é muito para uma pessoa só? Ser... Tudo o que a outra tem?"

"Capitão, se você não sentir o mesmo... Tudo bem. Eu vou sofrer, mas não estou lhe exigindo nada. Mas não minta para mim."

"Eu não poderia" Otávio baixou os olhos, devolvendo-os em seguida para Luccino. "Não poderia porque... Você sabe quando eu minto, sabe bem demais."

"Pois então" O mecânico prosseguiu, firme. "Não adianta guardar o que eu sinto. Tenho que ser sincero comigo, capitão, e recomendo o mesmo ao senhor."

"Como você conseguiu gostar de mim? Tudo que tenho feito é fugir. Me convencer de que estou bem assim, sabe. Que consigo viver na mentira. Mas então você veio e..."

"E bagunçou tudo. Você também não foi muito ordeiro para mim." Riu Luccino. "Deixou tudo fora do lugar. Mas sabe? Tem vezes que a gente entulha as coisas. E aí outras coisas ficam escondidas no meio, a gente vai entulhando tudo e de repente não sabe mais o que tem, de tanto que coloca em cima, só pra complicar."

Otávio suspirou com alívio.

"E então... Certas pessoas aparecem e... Fazem você entender que a bagunça também é uma forma de esclarecer tudo. Porque até então nem a sua bagunça estava clara."

"E eu estou deixando tudo claro, capitão."

"Eu sei" Respondeu Otávio.

Os dois trocaram um olhar demorado.

"Eu sinto o mesmo."

"O mesmo... Sobre a bagunça?" Luccino foi cuidadoso.

"Você é a bagunça, Luccino. Mas eu precisava de você pra entender..."

"E?"

"Era você o tempo inteiro que eu estava buscando." Otávio começou a chorar, abraçando Luccino com avidez. "E você não ouse mais fazer aquela bobagem... Porque você vai ter que arrumar tudo que bagunçou em mim, entendeu?"

Luccino sorriu, desfazendo o abraço para beijar os lábios de Otávio. Fazendo chiste, retrucou:

"Entendido, meu capitão!"

Com amor, LutávioOnde histórias criam vida. Descubra agora