Por outra sombra

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"Preparado pra sua primeira aula? Aviso logo que sou um instrutor muito rigoroso", Otávio disse, chegando à oficina de Luccino de uma só pancada. O italiano riu, vendo que o capitão havia levado a sério a proposta das aulas.

"Calma. Era só uma desculpa pra gente ficar jun..."

Otávio interrompeu-o, temendo aquelas palavras cristalizadas, tomando forma entre eles. Ficar juntos...

"Pois eu levo a sério meus compromissos! Então eu digo que haverá treino!"

"Ah... Então está bem, capitão Otávio. Eu vou ali me trocar. Com licença."

"Ei", Luccino recuou, pegando a máscara que esquecera.

Ele atravessou a oficina, dando uma última olhada para Otávio, que tentava disfarçar o fato dele não estar o observando. O mecânico entrou no pequeno cômodo com cortina e começou a tirar a roupa. Primeiro o colete, depois a camisa, abrindo os braços para os movimentos serem precisos. Ventava no Vale do Café, portanto não houve cerimônia para vestir a roupa de treino, já que a brisa que soprava era por extremo, fria. Ao virar o rosto para fora da cortina, percebeu a sombra do capitão trêmula, como a chama da vela, e por um momento refletiu se estava sendo observado por ele.

Ao abrir a cortina, flagrou o capitão num lugar um pouco mais perto de onde estava anteriormente. Estranhou, mas nada disse, permitindo que ele refizesse rapidamente sua feição desconsertada.

"Nunca pensei que fosse praticar esgrima. Tanta coisa que nunca imaginei fazer e estou considerando!", Luccino surpreendeu-se consigo.

"Chega de conversa. Tenho muito pra te ensinar. Preparado?"

"Sim", respondeu ao terminar de se posicionar.

"Em guarda!"

Luccino tentou imitar a pose de Otávio, mas ainda um tanto enrijecido. O capitão o observava, e seu aluno jamais o tinha visto com a expressão tão séria. O italiano tentou imitar as demais posições: tronco ereto? Assim? Um pouco menos rígido... Assim aqueles minutos iniciais prosseguiram, com Otávio primando por uma firmeza natural no corpo que Luccino não alcançava. O capitão soltou o ar com uma risada e falou num tom ameno:

"Pelo visto vou ter que te mostrar. Com licença."

Otávio deu passos lentos em direção ao aluno assim que ele assentiu positivamente. Cada passo acelerava seu peito e diminuía o ritmo dos pés. Sua garganta começou a travar e ele pigarreou discretamente antes de posicionar a palma de sua mão no peito do mecânico. Luccino seguia os movimentos pelo canto dos olhos, com a boca num sorriso em meia lua. Sua espada em punho, apontada para cima e levemente inclinada. Otávio veio para trás dele, esticando mais os seus braços e sua espada para frente.

O cabelo de Luccino fez uma breve cócega na bochecha de Otávio, que sentiu o corpo eriçar pelo contato próximo. Ele curvou seu rosto para olhá-lo de perfil, sentindo o perfume que emanava de sua nuca. Luccino também virou o rosto na sua direção, e ambos numa proximidade perigosa de rostos. Otávio cercou o olhar de Luccino, percorrendo todo o direcionamento da sua face, até que desfez aquele clima e voltou à sua posição de professor.

"Postura", falou suavemente, levando as mãos ao queixo do aluno, querendo que ficasse um pouco mais alto, mas foi trazendo-o para perto dele, para perto dele... E quando deu por si, Luccino o encarava novamente, o queixo formigando com a quentura dos dedos do capitão. Otávio foi soltando sua mão devagar, a respiração pesada e o olhar cada vez mais profundo.

"Essa é a posição que te dá mais..." Otávio começou a sussurrar, despindo-se pouco a pouco da veste de professor rígido. "Segurança...", prosseguiu, e sua palma desceu para o peito de Luccino, onde lá ficou feito tatuagem, onde pôde perceber seu coração batendo forte como o dele. "Tá sentindo?"

Luccino sorriu, espada em punho, mas sentimento livre.

"Sentindo o quê?", falou com tanta pureza que o capitão devolveu o riso.

Fez-se o que pareceu um longo silêncio entre os dois, o capitão friccionando suave sua palma no peito de Luccino, movimento tentando ser paralelo com a batida do coração. O seu próprio assumia um ritmo que parecia querer saltar para fora, falar uma língua que ele começava a entender pouco a pouco.

"Acho melhor... Pôr a máscara..."

"Por uma questão de segurança?"

"Sim". O capitão Otávio viu-se desarmado, retirando as mãos do peito de Luccino para reposicioná-las na espada. Ele baixou a guarda, tímido, olhos para baixo. "Ou eu..."

"Ou você..." Luccino completou, ansioso, e desta vez fora ele que trouxe o rosto de Otávio para cima e direto para o seu alvo.

"Não me contenho e..."

"E..." O italiano chegou devagar, Otávio não procurou recuar. Luccino permitiu a ousadia e, num movimento calculado, beijou o canto da boca do capitão, fazendo-o soltar o ar de prazer, circulando de beijos toda a área de seus lábios incrédulos. Luccino se demorou ali, apesar de um contato tão pequeno. Pôde sentir parte dos lábios do capitão, parte da pele, tão íntimos com os seus lábios e a sua pele.

"Vamos logo!", Otávio se afastou e retornou às aulas.

Luccino ainda demorou a voltar a si. O corpo inteiro formigava. Segunda, segunda, terceira! E o capitão foi movimentando a espada sem dar tempo para maiores recomposições. Segunda, segunda, terceira! O aluno conseguia concentrar-se para a defesa. Mas naquele momento, ataque era essencial. Segunda, segunda... E Luccino conseguiu acertar o peito do capitão, pegando-o de súbito.

"E-Eu acertei?", o italiano gaguejou, retirando bruscamente a máscara.

"Acertou", Otávio respondeu, se aproximando. Não era a hora de se render?

"Acertei?"

"Sim...", o capitão murmurou, olhando com toda força que podia para Luccino. Ele foi chegando perto do aluno, e num gesto impensado, mas muito desejado, tornou a colocar seus dedos no queixo de Luccino, sua boca formando uma curva desejosa que o convidava. Que o consumava. "Bem no meu coração..." E concentrando devagar as palavras, retornou: "Posso, por favor, beijar você?"

Luccino soltou o ar, afirmando. Otávio então beijou Luccino como há muito queria. Era a única resolução possível para aquela luta. Seus lábios apertaram o dele, orientando o movimento com uma das mãos a afagar sua nuca. Ele fez agarrar com o punho as raízes do seu cabelo, de modo que Luccino reagiu ao movimento impulsionando-se ainda mais para frente. A outra mão de Otávio enlaçava suas costas, seu quadril, passeando por aquele corpo doce e sereno, tão suave quanto o beijo. Luccino acalantou o rosto de Otávio, os dois apurando os ouvidos e o tato para perceber movimentos um do outro, a língua percorrendo e explorando todo o espaço, seus lábios estalando a cada pequena parada para respirarem e se encararem, imensos e afoitos. Numa dessas paragens, Otávio sussurrou no ouvido de Luccino:

"Paremos de pensar demais, Luccino..."

Luccino nada respondeu, os olhos tão negros que certamente era o desejo e o alcance deste que o havia preenchido todo. O italiano voltou aos lábios do amado e deu pequenos selinhos ao redor da boca, do queijo, da bochecha e do pescoço, demorando em cada gesto. Otávio não esperava o movimento e fez apertá-lo mais para si, num frenesi de quem queria cada centímetro do corpo do amado perto do seu, para jamais perder nada daquilo novamente.

"Luccino...", falou, sôfrego.

Eles estavam em todo lugar. Enquanto a luz do sol penetrava as pequenas aberturas da oficina, Otávio e Luccino se abriam para o fascínio e o amor que ambos demoraram a admitir. E de repente, juntos, eles não podiam sentir outra coisa senão aquele momento.

Com amor, LutávioOnde histórias criam vida. Descubra agora