Ciúmes

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Otávio ainda se recuperava do choque de ter visto Mário e Brandão se beijando na oficina. A princípio, ele mal controlava seu "nervosismo feliz", uma espécie de alívio por Brandão também ser como ele... Estava arfando, querendo imediatamente um copo d'água para centrar seus pensamentos.

O coronel era um dos homens que ele mais admirava no Vale do Café. Vê-lo beijando outro homem acendia em Otávio uma fagulha de esperança que podia movimentar até mesmo um automóvel, de tão intensa e inesperada. No fundo, ele que sempre fora tão mulherengo só esperava algo ou alguém para se espelhar, para não se sentir um corpo estranho dentro daquela pequena cidade.

Mas o fato de os dois estarem se beijando de forma tão explícita na oficina de Luccino também o deixava com a pulga atrás da orelha. Será que Luccino estava envolvido no meio de um triângulo infame? De repente, as peças começavam a se encaixar. O mecânico e aquele homem estranho, sempre juntos, a igual proximidade com o coronel... Não era um dever de Otávio zelar pela honra de Luccino já que eram tão... Amigos?

A energia da ideia percorreu o corpo do capitão e, afoito, ele se dirigiu até a casa do mecânico naquele fim de tarde e começo de noite. A casa dos Pricelli demonstrava a calma costumeira, um acolhimento que transpassava para os membros daquela família. Otávio começou a chamar pelo nome de Luccino várias vezes, tomando cuidado para não ser muito invasivo.

"Capitão Otávio? O que faz aqui?", perguntou o pai de Luccino.

"Senhor Pricelli. Perdão. Queria falar com seu filho, o Lucci..."

"Estou aqui, capitão Otávio", a figura de Luccino apareceu atrás do pai, com a expressão de surpresa. O pai do italiano estranhou a visita, mas apenas deu de ombros e voltou para dentro da casa. "Não esperava o senhor por aqui. Aconteceu alguma coisa?"

Otávio sentia o nervosismo tomar conta do seu corpo, enquanto ele soltava um pequeno espirro, o preço de ter pegado aquela chuva dias atrás. Ele respirou fundo, o mecânico esperando sua resposta.

"Na verdade, só queria um pouco de água... E... Ah, na verdade aconteceu. Eu descobri o segredo do Coronel Brandão e Mário".

Luccino ficou pálido. Ele bem que havia avisado para os dois tomarem cuidado! A reação do jovem só acendeu as certezas de Otávio, que olhava fixamente para ele, buscando em seu olhar alguma sombra ou resposta. O capitão não esperou:

"Você envolvido nisso, Luccino? Um triângulo? Que tipo de lugar é a sua oficina?"

Luccino estremeceu de indignação, se aproximando com energia de Otávio, que recuou como se ele o repelisse. O capitão arfou, seguro de suas ideias. Afinal, ele viu a cena! Que outra explicação teria?

"Eu não admito que fale assim de mim, Otávio!"

"Ah, é? E que outra explicação eu tenho?"

"Coronel é meu amigo! E só! Você não tem motivo pra... Pra ciúme!", Ele sussurrou a última palavra, com medo que a discussão reverberasse pela casa.

"Ciúme? Eu? Ora, Luccino! Você fala como se fôssemos namorados!"

Otávio fez silêncio, surpreso com as próprias palavras. Ele encarou o italiano, contestado. Luccino estava bravo, com a expressão séria e os ombros demonstrando a respiração inconstante. Ele se aproximou do capitão, e aquele momento foi como se o ar que circulava entre os dois tivesse se misturado e virado uma só coisa. O coração de Otávio batia forte, um misto de mágoa e medo. Ele não queria perder Luccino.

"Namorados. Capitão, você não sabe o que diz", respondeu o mecânico, aliviando o tom.

"É você que não sabe, Luccino, o que quer de mim", retrucou Otávio, se sentindo ofendido pela atitude.

"Eu? Mas é você que vem na minha oficina dizer que não vem mais e tudo que faz é vir sempre que pode. O que eu faço com isso, capitão?"

"O que eu posso fazer se eu... Bom, eu só não quero ficar longe de você, ora!" Otávio disse em bom som, como se fosse uma coisa tão óbvia que Luccino era um bobo por não estar percebendo. Por não estar percebendo ele... "Eu ainda preciso de aulas se quero fugir desse lugar pra sempre."

"E ainda assim quer ficar perto de mim pra... Pra ficar longe de mim? Porque você quer ir embora, não quer? Porque quer ficar perto de mim se sua intenção é ir embora?"

"Eu quero ir embora daqui, não de você! Que droga, Luccino, falei que..."

"Falou o quê? Que eu tenho um caso com o coronel e Mário? Foi isso que eu ouvi."

Otávio observou-o novamente. Luccino parecia anos luz à frente dele, embora ambos dividissem os mesmos questionamentos. Marcado por um sentimento que não conseguia definir, o capitão escolheu duvidar de si e acreditar nele. Afinal, era Luccino, o rapaz mais puro, doce e honesto de todo o Vale.

"Perdão, Luccino. Eu me equivoquei."

"Eu juro que não tenho nada com ninguém."

E o capitão sorriu de canto, rendido.

"Que bom."

Luccino sorriu mais abertamente.

"Eu estava indo pra oficina. Tarde demais pras suas aulas?"

"Nunca", Otávio respondeu. "Nunca é tarde demais".

Com amor, LutávioOnde histórias criam vida. Descubra agora