Capítulo 02. 🌲🖤🌲

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NO DIA SEGUINTE, OS RAIOS DO SOL ENTRAVAM PELA MINHA JANELA. Despertei num susto com meu pai batendo em alguma coisa na cozinha. Eu estava quase nua, algo que acontecia devido ao calor abafado da noite, vesti-me apressada. Desci para ver o que acontecia e encontrei minha mãe aflita, estava com as mãos na cintura e olhava meu pai agachado no chão da cozinha martelando dois pedaços de madeira. Era um crucifixo. Alguma coisa havia acontecido e não era nada boa.

— Bom dia – falei apenas para que notassem minha presença diante da porta.

— Oh, filha! Que bom que está aí e vestida adequadamente – disse minha mãe, e logo entendi a crítica ao meu desastre na noite anterior. — Mas você precisará se trocar com urgência...

— O que aconteceu?

— Uma criatura atacou os animais de um dos nossos vizinhos. Vai ter cerimônia de expurgo em instantes – minha mãe estava tão abalada quanto suada. Usava um vestido preto e logo percebi que meu pai também vestia preto.

— Isso realmente é necessário? Um crucifixo para um animal?

— Não é pelo animal, Ellaija! – respondeu meu pai. Estava ofegante e sua voz era ríspida, como sempre. – A criatura deixou rastros em todo o vilarejo, seja o que for, precisa ser expurgado pelo padre e toda a santidade. Que Deus nos ajude! De qualquer forma, precisamos nos abastecer da palavra santa. Agora vá se arrumar e nos encontre na capela o quanto antes, nada de procurar distrações.

Subi para o quarto um tanto nervosa. Eu sabia exatamente o que ele queria dizer com distrações. De qualquer forma, queria ter dito a ele que eu não veria Rivana naquele dia. E lembrar disso despertou em mim uma pequena revolta que tratei de reprimir. Vesti o primeiro vestido de tecido escuro que encontrei, não era preto. Eu não gostava de usar preto e evitava ao máximo. Sempre tive mais afeição por verde e cores terrosas, meu vestuário era quase predominantemente marrom, bege e verde. Tranquei a casa e me encaminhei para a capela. Não havia ninguém no meu caminho e diante da luz do sol, meu vestido se revelou azul e não preto, as mangas longas eram decoradas com renda em preto, talvez fosse o suficiente para toda a gente. O que diriam de mim quando me vissem? Não me importava.

Enquanto subia a caminho da capela ofegando de tanto calor e a sensação que aquele vestido me trazia, encontrei algo entre algumas pedras. Era um montinho como se alguém tentasse — fracassando totalmente. – esconder alguma coisa. Era um círculo feito de gravetos secos, todos bem entrelaçados, estava enfeitado com algumas penas coloridas e que particularmente, eu as achei lindas. Agachei-me para ver de perto. Afastei as pedras e quando estava prestes a tocar, ouvi um alerta de longe.

— Você perdeu o juízo? Quer ser queimada em uma fogueira para ser expurgada?

Levantei no mesmo instante limpando a terra no vestido deixando-o agora um pouco mais decorado. Quando vi de quem se tratava, tive a reação instantânea de revirar os olhos e bufar. Ela não notara esse gesto, caso contrário, seria capaz de me arrastar até o padre Jiuse pela orelha dizendo que eu estava possuída por Eles.

— Bom dia, sra. Hura! – cumprimentei esboçando um sorriso, acreditando ser convincente.

— Não me venha com isso, garota! Tem sorte que eu estou tão assustada que mal consigo pensar direito. Acabei de queimar minha compota de amoras! Você tem noção disso? Uma velha como eu, que vive de vender compotas! Deixando-as queimar! Céus!

A mulher corpulenta se pôs ao meu lado e olhou apavorada para o círculo de penas no chão. Eu gostaria de escondê-lo dela e depois voltar para pegá-lo e colocar no meu quarto. Mas para minha surpresa, a sra. Hura pisoteou furiosamente no objeto desfazendo o círculo de gravetos, as penas coloridas ficaram enlameadas e feias.

Além da Floresta | Versão Wattys 2020Onde histórias criam vida. Descubra agora