Capítulo 26. 🌲🌙🌲

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As histórias que eram contadas e passadas por gerações não falavam sobre nada daquilo. Nenhuma das nossas versões falava sobre as verdadeiras forças que habitavam a floresta e o risco de mexer com elas. Nenhuma lenda fazia jus ao mundo que se desenrolava entre as raízes mais profundas da floresta. Sempre foi muito mais sobre paz do que guerra. Tudo o que eu ouvia enquanto crescia no vilarejo, eram histórias contadas a partir de uma única perspectiva: a nossa. Mas as vozes que habitavam a floresta tinham suas próprias histórias para contar a quem estivesse disposto a escutar.

Quando fui engolida pelas sombras, elas estendendo as mãos para mim como se quisessem que eu fizesse parte daquilo, senti medo. Mas de imediato, eu parecia estar sendo levada para outro mundo. Me senti suspensa na escuridão, pois meus pés não tocavam o chão. Eu poderia estar flutuando ou apenas ocupando um espaço onde não havia nada além do meu corpo. E naquele momento, senti frio e tentei invocar o poder das chamas para o meu corpo, eu queria aquece-lo. Queria ver aqueles fios dourados sob minha pele se movendo como serpentes, raízes, aquele poder que me incendiava de dentro para fora e me provocava com um eco que vinha desde os meus sonhos mais distantes. Tudo que eu sentia era o frio daquelas sombras, elas estavam por toda parte. Respirei fundo e me perguntei onde estaria a Tecedeira. Se ela já havia cedido às sombras aquilo que mais brilhava em si para salvar aqueles que ainda estavam lá fora. Era impossível ouvi-la.

Tentei mover meus braços e foi quando notei que eu estava presa. Minhas pernas também, completamente imóveis. Senti que havia uma força que me impedia de executar qualquer movimento. Fechei meus olhos e tentei respirar fundo. Pareciam que cem mãos estavam me aprisionando.

Um sussurro em uma voz antiga veio até mim como uma brisa soturna e não pude saber de qual direção. E sequer tive a capacidade de me concentrar nele. Estar aprisionada na escuridão era uma das piores sensações que se poderia sentir. Então ele veio novamente para mim:

- Segure sua respiração - disse a voz antiga e quase de morta. O frio tomou conta de mim e eu gritei. Minha voz voltou para mim como se eu estivesse em uma caverna profunda. - Você está em um lugar que te pertence. Não tema e não nos negue!

- Quem está falando comigo? - falei, minha voz saiu quase extinta. - Por que não aparecem?

- Respire fundo! - disse a voz e de repente algo se iluminou naquela escuridão e eu tive um vislumbre das coisas que me seguravam suspensa. Não eram mãos de criaturas tenebrosas como a minha mente assustada havia me feito acreditar. Eram raízes. Milhares de raízes por toda a parte se iluminaram com uma luz aquecida e âmbar e logo em seguida voltaram a sumir na escuridão. Elas se acenderam como se fosse seguindo o ritmo de um coração. Aquelas raízes que brilharam se assemelhavam ao poder que havia dentro de mim, aquele que brilhava e incendiava sob minha pele. - Você não precisa nos temer, Ellaija, filha da floresta!

Meu coração estremeceu e eu senti o ar dos meus pulmões me abandonar quando as raízes se apertaram em volta da minha cintura. Fui agitada no ar como se estivesse sendo pega por um gigante desajeitado e que tinha curiosidade em me ver o mais próximo possível de seus olhos.

Filha da floresta... filha da floresta... filha de todos nós.

Havia muitas outras vozes que se juntavam para repetir isso. E conforme eu as ouvia, senti que parte de mim era tomada por escuridão e poder e a outra parte estava se iluminando.

Nós conhecemos você e você nos conhece tão bem. Estamos unidos pelo o que nos mantem vivos, Ellaija... aquilo que nos mantem vivos.

- O que vocês são? Por que tudo está acontecendo assim e por que dói tanto? - indaguei. - Eu não quero perder mais ninguém! Faça tudo isso parar!

Além da Floresta | Versão Wattys 2020Onde histórias criam vida. Descubra agora