Capítulo 22. 🌲🌙🌲

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Eles a colocaram sob uma grande árvore de tronco pálido e com marcas douradas. Eles admiravam a sua beleza tanto quanto eu. Mas eu não conseguia sentir paz mesmo estando em um lugar como aquele. Era um santuário, onde todos eles viviam durante séculos e assim seria depois de mim e dos meus. No entanto, a cada dia que se passava, minha preocupação aumentava como uma rocha esmagando minhas costas com seu peso irreal. Rivana não acordava, não se movia. Apenas respirava. Ela estava diferente do que eu conhecia. Na nossa infância, ela era a mais bela e decidida; brigávamos muitas vezes por teimosia de ambas, mas ela sempre era a primeira a ceder. Ela tinha belos cabelos castanhos que pareciam brilhar como ouro velho derretido e a pele parecia brilhar sob o sol. Lembrar de tudo que vivemos me apertava o coração.

Quando chegamos até a casa da Tecedeira, ela nos recebeu bem e me surpreendi, pois finalmente, eu não a temia como na primeira vez que estive ali. Ela era uma criatura de aura pura e bondosa ainda que houvesse um mistério em seu olhar. Ela pareceu entender o quanto era importante que Rivana fosse ajudada e nos levou até o santuário dos seres da Floresta. Atravessamos uma barreira que a princípio era invisível, mas recordo que enquanto cruzávamos, uma energia de inúmeras cores como um cristal refratado se ampliou e estávamos do outro lado. Ali, tudo era tão cheio de vida e rico em cores e energia. Criaturas médias e gigantes compartilhavam o mesmo espaço enquanto seres minúsculos iam e vinham sem parar. Alguns dardejavam no ar como libélulas e se aproximaram de nós três. A Tecedeira cochichou algo para uma das criaturas pequenas que era de um verde cintilante e era coberta por uma plumagem que reluzia. O pequeno ser nos encarou. Permaneci parada e em respeito, baixei meu olhar, mas então outros começaram a surgir a nossa volta. Animais com uma beleza que eu jamais vira do outro lado da floresta, e gigantes que eram cobertos por verde e musgos de muitos anos. Todos os olhos estavam voltados para nós.

— Elas são as filhas da cura, pequenos espíritos que habitam as plantas – disse a Tecedeira, ela parecia mais jovem e mais bela. Seus cabelos brilhavam como se alguém houvesse derramado toda a luz de uma estrela sobre ela. — Tudo o que as plantas podem nos oferecer em benefícios, elas conhecem. Estão dispostas a curar sua amiga.

Ouvir aquilo me fez sorrir e chorar. Agradeci àquelas pequenas criaturas com minhas palavras, e a Tecedeira as transformou em um cochicho que não pude entender sequer uma palavra. No mesmo instante, elas se agitaram em volta de Rivana e um gigante de aspecto carrancudo se aproximou. Ele parecia um conjunto de árvores que haviam se abraçado na tentativa de formar um corpo próximo da anatomia humana: braços, pernas, rosto, tudo envolto em verde e raízes. Não o temi. Ele estendeu uma das grandes mãos e deixei que Rivana repousasse ali suavemente. O gigante a levou para não muito longe de mim. Comecei a seguir seus passos enquanto diversas criaturas abriam caminho para mim. Olhos de cores tão belas que pareciam diamantes. Tive a impressão de estar caminhando entre os meus. Algo naqueles rostos me fazia ter uma sensação de aconchego.

Eles a colocaram sob a árvore mais bela que eu já vira em toda a minha vida. Seu tronco e galhos eram brancos e tinham marcas douradas como o mais puro ouro. Essas marcas subiam das raízes até as pontas dos galhos onde encontravam as folhas também pálidas e finas como uma seda. O gigante, cuidadosamente, deixou Rivana deitada sobre um altar de pedras amontoadas. O altar era coberto por pequenas lilases; as pequenas criaturas voavam sobre Rivana cobrindo-a com uns fios quase imperceptíveis aos olhos, era como se estivessem envolvendo-a com teia de aranha. Tentei me aproximar, mas uma delas me repreendeu com um grunhido baixo porém determinado a não me deixar seguir em frente, então me ajoelhei sobre aquele chão que era tão verde e observei. As pequenas criaturas sumiram por alguns instantes e ressurgiram momentos depois aos pares. Cada par segurava uma flor diferente e grande demais para que apenas uma pudesse manusear. O primeiro par, com uma flor branca, se posicionou próximo ao rosto de Rivana e foram virando a flor lentamente até que um líquido alvo escorresse das pétalas até os lábios entreabertos dela. O líquido desceu por sua garganta e ali brilhou por um instante. Então os outros pares das pequenas criaturas fizeram o mesmo ritual com flores que continham líquidos brilhantes, verdes ou mais escuros.

— Você só precisa esperar e se preparar – disse a Tecedeira atrás de mim. – Ela estará de volta para você muito em breve, mas aceite-a como ela será.

— O que quer dizer? – indaguei.

— Ela foi vítima de uma trapaça de Fridr. Ele é um espírito trapaceiro e egoísta. Usou as árvores-receptáculo para absorver a juventude dela e foi além disso. Fridr se aliou ao Outro e usou desse acordo para se apossar da vitalidade da sua amiga.

Um nó se fechou na minha garganta. Naquele momento quis explodir de raiva, e algumas criaturas pareceram sentir esse sentimento que cresciam em mim porque haviam recuado e se escondido atrás das árvores e arbustos do santuário. Tentei apagar a raiva em mim, mas ela ainda estava lá. A Tecedeira se aproximou mais e pôs uma mão em meu rosto, secando as lágrimas.

— Este lugar é o coração desta Floresta e de muitas outras, Ellaija. O que você sente aqui, é transmitido através de uma energia que você ainda não consegue ver, mas todos sentimos. E nesse momento, todos nós sentimos seu medo e dor, mas também sentimos a esperança. É a ela que você precisa se agarrar.

Olhei mais uma vez para Rivana enquanto ela era protegida por todos aqueles seres. Procurei trazer até ali todas as lembranças de momentos bons que tivemos juntas e me senti mais tranquila.

Os dias passavam de uma forma diferente ali. A paz e harmonia entre aqueles seres era quase tangível. Dia após dia, eu me sentava junto a Rivana e a observava. Contava-lhe das nossas aventuras e desventuras. Seu corpo estava sempre aquecido e sua pele havia recuperado a suavidade de antes. Mas ainda não era ela. Seu rosto estava inexpressivo e os lábios entreabertos. Os cabelos estavam opacos e quebradiços. Eu segurava sua mão, e pedia internamente que ela apertasse a minha de volta. Algumas vezes jurava que ela havia retribuído meu aperto, mas era apenas o meu anseio.

No entanto, estar ali também me preocupava. Eu tinha medo do que poderia estar acontecendo no vilarejo. Chorava ao pensar em meu pai que morrera lutando e na minha mãe que estava nas mãos daquele homem. A Tecedeira trazia-me notícias sobre Uggo. Ele estava abrigado na casa dela e a ajudava a cuidar de suas plantas. Era o máximo que ele poderia ir. Em segredo, eu me questionava o por que de ele não poder atravessar a barreira comigo e com Rivana. Por que eu? E então lembrava das duas forças que habitavam dentro de mim. Gostaria de reprimir uma delas para que nunca mais viesse à tona. Ela fazia parte de mim? Era como um órgão do meu corpo.

Depois de perder a conta de quantos dias estávamos ali naquele lugar, decidi que iria me dedicar a conhecer cada um daqueles seres. Queria saber quem eram e como viviam. O que podiam fazer. Alguns ainda eram tímidos a minha presença e fugiam do meu caminho. Outros pousavam nos meus ombros, enfeitavam meu cabelos com pequenas flores. Eu comia algumas de suas frutinhas adocicadas e parecia ser o suficiente e necessário para suprir as necessidades do meu corpo pois eu raramente sentia fome nem fraca.

Algo que mais me intrigava era a grande árvore branca. Eu sentava em suas raízes protuberantes quando ia ficar com Rivana e sentia a energia que vivia dentro delas. As marcas douradas eram semelhantes as que surgiam nos meus braços quando eu era tomada pela outra energia. Algumas vezes tocava o tronco largo e pedia silenciosamente para que ela me dissesse algo ou me mostrasse de onde aquela outra parte de mim vinha. Eu já sabia de onde era a energia negra e descontrolada que me consumia, mas ainda havia a energia que me queimava por dentro e me aquecia, que agia conforme eu ordenava.

E enquanto isso, eles estavam se preparando para vir até nós. Eles não estavam dormindo. Estavam se tornando mais fortes e mais furiosos e o ataque estava se aproximando junto com o frio que caiu sobre a Floresta. O inverno havia se derramado como um manto alvo cobrindo um corpo quente. O Santuário ainda era o mesmo, acolhedor e quente, verde e vívido. Mas além da nossa barreira, tudo era brancura e frieza. E os inimigos se erguiam como uma roseira impiedosa cujo os espinhos são os mais venenosos.

Além da Floresta | Versão Wattys 2020Onde histórias criam vida. Descubra agora