Capítulo 08. 🌲🖤🌲

2.2K 374 72
                                    

A FLORESTA PARECIA SE COMUNICAR ENTRE SI, ME EXCLUINDO

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


A FLORESTA PARECIA SE COMUNICAR ENTRE SI, ME EXCLUINDO. Eu estava me sentindo aterrorizada. Meu sangue estava fervendo e congelando, era a sensação que eu sentia. De onde eu estava, consegui ver minha mãe seguindo pela clareira escura e fria. Seus passos não eram vacilantes e a névoa parecia dançar a sua volta como se a convidasse com muita cortesia para uma dança. Eu queria correr aos gritos e puxar minha mãe pelo braço. Ao mesmo tempo que ela parecia hipnotizada, parecia também ter total domínio sobre si mesma. Reparei que as árvores não estavam normais. Seus galhos pareciam gemer suavemente e o som perambulava pelo ar fazendo meu coração estremecer. Olhei para o alto, para as copas escurecidas pela noite e até mesmo as folhas farfalhavam de uma maneira desconhecida para mim. Eu poderia me perder naqueles sons, como se estivessem cantarolando uma cantiga antiga da qual eu devesse obrigatoriamente conhecer.

Me curvei dolorosamente onde estava, minhas unhas cravaram na terra úmida da floresta quando um som tenebroso e rouco reverberou por toda parte. O som parecia criar uma intensidade a cada segundo e com isso, minha sensação de enjoo se fez maior como se meu estômago estivesse virando de ponta cabeça. Olhei para minha mãe e devido minha visão estar embaçada, eu mal conseguia distinguir sua silhueta borrada. Então o som aumentou como se alguém estivesse provocando aquilo intencionalmente para me deixar entorpecida e fraca. As árvores estalavam como se estivessem se partindo após serem atingidas por raios. Cuspi a saliva amarga e voltei a me concentrar no que estava acontecendo a poucos passos distantes de mim. Minha mãe ergueu aquele artefato para o alto e uma ventania levantou as folhas caídas por todo o chão. Vi quando um redemoinho se formou, girando imperioso em volta dela e do artefato. As folhas antes secas e mortas das árvores começaram a se unir sincronizadas. Meus olhos pareciam cheios de terra ou secos. Agachei-me enquanto procurava ter voz para chamar pela minha mãe.

Então aquele som começou a fazer sentido quando deixou de ser espalhado e tornou-se uma voz. Uma voz antiga e carregada de peso. Minha pele arrepiou quando a ouvi. Por mais que eu estivesse determinada a entender aquelas palavras, elas se encaixavam totalmente embaralhadas na minha cabeça. Mas a minha mãe parecia entender perfeitamente tudo aquilo e isso me causou tontura e terror.

A criatura que estava diante dela se agigantava da mesma forma que o meu medo ia me oprimindo e me empurrando contra o chão.

— Tudo está acontecendo depressa demais — ouvi a voz da minha mãe dizendo. O artefato começou a brilhar, uma luz velha e oscilante. Eu estava tentando me concentrar no que aquela criatura dizia, mas suas palavras não formavam um sentido para mim.

As árvores pareciam estar impacientes. A vibração que vinha do chão ia me deixando entorpecida. Por um momento, tudo estava girando.

— Não há como saber se é esse mesmo o seu destino — Sophine respondeu, erguia o artefato mais alto, na direção dos olhos negros da criatura. — Não houveram sinais premonitórios como disseram que haveria.

O farfalhar nas árvores parecia acontecer apenas na minha mente. A ventania sussurrava tenebrosa e a criatura curvou-se diante da minha mãe, dizendo-lhe alguma coisa. Mais uma vez, eu não pude sequer entender. Uma rajada de vento fria e mórbida passou por mim e por um instante quase jurei que seria um outro ser. O cheiro era de algo podre e verde, lamacento e musgo. Aquilo fez meu estômago embrulhar. E com aquela mesma rajada repentina, a criatura começou a se desfazer e desaparecer. Junto com ela também se foi a minha sensação de tontura e falta de domínio sobre meu próprio corpo. Minha mãe estava de joelhos e largou aquele artefato ali mesmo. Eu estava com medo. Só me restou reunir todo o resto de força que ainda tinha e correr. Acabei caindo duas vezes nos primeiros passos que dei e meu grito foi inevitável. Ouvi que Sophine perguntou se havia alguém. Ela não poderia me encontrar. Não poderia me ver com medo dela. Eu estava com medo da minha própria mãe.

Alguns passos depois eu já podia correr desviando de árvores. Meus cabelos iam esvoaçando e meu vestido estava sendo rasgado por raízes e plantas espinhosas. Não olhei para trás nem mesmo para o alto das árvores. Havia uma sensação opressora. Alguma coisa nas sombras estava me observando e era onipresente. Eu sabia que para onde quer que eu corresse, essa coisa estaria atrás de mim e não tão longe, pois eu podia sentir suas garras se esticando para me alcançar. Continuei correndo apenas diminuindo o ritmo para recuperar o fôlego.

Quando avistei minha casa, comecei a chorar e as lágrimas fizeram eu me sentir uma tola. Entrei e fechei a porta. Fui até meu pai que estava frio e adormecido. Imaginei que seus sonhos deveriam estar tão mais embaçados quanto o normal. Eu deveria estar como ele. Gostaria que o chá tivesse tido efeito sobre mim. Eu não queria ter visto aquilo tudo. A sensação agora era terrível e esmagadora. Eu sentia uma presença em todos os cantos escuros da casa para onde olhava, então evitei olhar para eles. Subi para o meu quarto apressada. Não demoraria muito e minha mãe estaria de volta.

Vesti outra roupa e fiz tanto esforço para me acalmar até perceber que não estava resultando em nada. A imagem da criatura não estava se apagando da minha mente. E logo tudo começou a se misturar: eu via seres que atormentavam meus sonhos infantis, seres que se escondiam nas árvores e nas raízes como se quisessem que eu soubesse que estavam ali, mas ainda assim não queriam se mostrar por inteiro; via corpos dilacerados pela Velha Corcunda e seu modo maligno de se mover enquanto se afastava do celeiro; e via minha mãe diante daquela criatura fétida e de voz aterradora.

Todas as sombras do meu quarto começaram a se alongar com seus braços em minha direção. Eu estava ouvindo coisas que não podia entender. Cambaleei sem enxergar o que estava no meu caminho. Alcancei a cama e me joguei antes que perdesse o controle sobre meu corpo e caísse no chão. Enquanto meus olhos iam cedendo, olhei para as sombras. Elas estavam formando um corpo longo, os braços estavam esticados em minha direção. Eu queria gritar, mas a voz não estava saindo da minha garganta.

A figura desapareceu quando os passos de Sophine se aproximaram e a porta do quarto foi aberta. Eu a vi. Seu rosto estava suado e pálido. Ela não entrou. Tentei ao máximo regular minha respiração, fingir. Apenas seu rosto estava para dentro do quarto e ela ficou ali por algum tempo. Quando ela se foi, como se tivesse a certeza de que eu estava dormindo, desabei em lágrimas abafadas. Dessas que fazem o peito esquentar e a garganta doer.

Além da Floresta | Versão Wattys 2020Onde histórias criam vida. Descubra agora