Capítulo 21. 🌲🌙🌲

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Uggo estava sentado com o corpo meio dobrado, estava tremendo terrivelmente. Acordei com seus sussurros difíceis de entender, parecia que pedia para que tivessem misericórdia. Tive dificuldade para me sentar. Meu corpo estava molhado pela relva fresca e úmida da madrugada e suor. Senti muitas dores, que logo foram se espalhando e sumindo. Olhei para o céu que antecedia a alvorada, sua cor noturna estava sumindo no horizonte e as estrelas estavam se tornando raras. Rivana ainda estava paralisada, na mesma posição em que eu a colocara, os olhos abertos e vazios encarando um mundo invisível, não se moviam nem brilhavam como antes. Isso me causava medo.

— Uggo – disse. — Não há mais o que temer, vocês já estão livres daquilo.

Ele parou de se mover no exato momento em que escutara minha voz. Minhas palavras pareciam ter quebrado algo nele em milhões de pedaços. Ele ainda estava pálido demais e coberto de seiva escurecida e fétida. Seu cabelo negro parecia colado ao crânio. Lentamente ele virou-se para mim e nossos olhos se encontraram. Ele chorava e colocou as mãos sobre a boca.

— Aija! Aija é você, não é? – ele indagou. Suas mãos tremiam e estava soluçando. Mas aquela pergunta partira meu coração.

Balancei a cabeça concordando. Ele se jogou sobre mim em um abraço que a princípio era forte demais, uma força inumana. Mas logo seus braços que estavam tão frios adquiriram parte do meu calor e eu me tranquilizei. Uggo chorava descontroladamente agora e repetia meu nome tantas vezes como para ter certeza de algo. Acariciei sua cabeça, como nos velhos tempos em que ele a pousava sobre meu colo em busca de refúgio e acolhimento. Era ele. O menino que um dia era tão indefeso e que estava apanhando de outros garotos vis e eu o defendi.

— Eu vi coisas tão terríveis! Tive tanto medo de tudo e não conseguia sair – falou. Sentamos novamente, ele ainda me abraçando. — Aquela coisa nos arrastou até aqui. Por mais que tentassemos resistir se tornava mais difícil. Ele cantava o tempo todo uma canção que penetrava na nossa mente. Primeiro fez com que a Rivana entrasse na árvore. Foi horrível.

Olhei para ela mais uma vez. Toquei sua testa fria e inexpressiva. O medo de a perder estava me sufocando.

Uggo continuou:

— As árvores se abriram, primeiro para Rivana e ela caminhou conforme ele ordenava e eu vi quando a árvore começou a se fechar, engolindo ela aos poucos como um inseto. E começaram a surgir frutos brilhantes, muitos deles, e aquela coisa saltou de alegria e comeu um dos frutos e pareceu ficar mais forte e mais vivo – ele parou e me encarou, buscando humanidade nos meus olhos. — Tentei correr até a árvore para tirá-la de lá, mas não consegui. Ele estava me encantando e me fazendo entrar na outra árvore que me esperava. Meus pensamentos eram confusos e não conseguia parar de ouvi-lo dentro de mim. Então quando a árvore me envolveu, só havia escuridão e frio. Eu sentia toda a minha força sendo tirada de mim lentamente e ouvia a voz dele cantando e alegria quando um fruto surgia.

— Eu sinto muito! Foi tudo por minha culpa, não queria envolver vocês nisso.

— Não queria. A decisão foi nossa. Não iríamos deixá-la só. Assim como você não nos abandonou – disse ele, me interrompendo. Sua voz recuperava o tom de sempre a cada segundo. Suas mãos tremiam como se estivesse sentindo um frio sobrenatural que vinha de dentro para fora. Estava voltando a ter sua vitalidade lentamente. — Anos pareciam ter se passado para mim e via monstros na escuridão, eles diziam coisas terríveis e puxavam parte de mim para eles, como se estivessem se alimentando da minha vida.

— O que será que ela viu? – indaguei. Uggo também olhou para Rivana e foi para perto dela, movendo-se com esforço.

— Algo deu errado com ela. Você pode trazê-la de volta, não pode?

Além da Floresta | Versão Wattys 2020Onde histórias criam vida. Descubra agora