Capítulo 24. 🌲🌙🌲

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Se há uma chama que é capaz de queimar um coração, é aquela que também o mantém aquecido. Amor.

Meu sangue fervia sob minha pele gélida. Uma contradição que me fazia ser uma criatura estranha no meio daquelas árvores cobertas de gelo. E segui pela parte mais obscura da floresta, ouvindo aquele som tão familiar. E notei que quando você ouve um chamado por muito tempo, você reconhece a voz quando ela volta para você.

As árvores eram mais grotescas e seus troncos eram mais escuros. As vezes eu pensava ter visto um rosto de aspecto maligno me encarando. Andei por mais tempo, seguindo minha intuição e as batidas que algumas vezes pareciam estar apenas na minha mente. Apertava a pena que a Sentinela havia me dado contra o peito, sentindo um calor que me lembrava o motivo de eu estar ali. Ela sabia que eu lutaria e acreditava em mim. Senti o calor de sua vida que parecia ser tão antiga. Tão mais do que eu.

Meus pés afundavam na camada espessa de neve e sentia o frio dela mesmo com as botas que usava. Galhos enganchavam na barra do meu vestido verde escuro e eu sentia dificuldade para andar, como se estivesse aprendendo meus primeiros passos. Cheguei a uma clareira. Todas as árvores, adormecidas pelo frio, pareciam formar um círculo perfeito e eu conseguia ter um vislumbre do céu obscuro e cheio de nuvens. Recuperei minha respiração. Aquele era o exato lugar onde Uggo e Rivana haviam sido tirados de mim. Não havia mais aquele som que se ritmava perfeitamente com as batidas do meu coração. Tudo estava em silêncio. O que eu faria para que ele aparecesse? Onde ele estaria? Fridr estava em toda parte. Ele era um espírito e toda aquela floresta era o seu lar, exceto o Santuário, pois ele parecia nunca ter pisado lá. Dessa vez eu o enfrentaria com toda a minha força, de onde quer que ela chegasse a mim. Fechei os olhos e tentei entrar em mim mesma. Se algo estivesse se escondendo de mim, eu faria aparecer. Imaginei Fridr e seu rosto se misturava com o de animais na minha mente e com as árvores e as raízes. Ele era tudo isso? De repente me senti capturada. Presa em uma armadilha. Era ainda mais difícil imaginar seu rosto. Era como querer visitar um pesadelo antigo e ainda assim assustador e fresco, mas eu não conseguia vê-lo. Pensei em Rivana e na sensação que me tomava quando ela sorria para mim. Uma saudade sufocante se incendiou em mim, apertou minha garganta e fez meu coração pulsar dolorosamente. Eu a queria de volta.

Quando abri os olhos, vi que a floresta ainda era a mesma, mas eu havia mudado um pouco: minhas mãos estavam envoltas por aqueles fios dourados de poder e eu sentia que todo o meu corpo estava marcado por aquela energia. Respirei fundo, sentindo o ar frio queimar minhas narinas e o transformei em ar aquecido ou suspirar. As batidas voltaram no mesmo instante e eu sabia de onde estavam vindo. Caminhei na direção das árvores mais assustadoras que se erguia diante de mim sem hesitar. Elas pareciam furiosas com a minha presença. Me vi desviando dos galhos das árvores que queriam me conter. Algumas raízes se levantavam acima do solo e da neve e tentavam prender meus tornozelos, mas eu as queimava com aquele poder quente e vívido em mim. Precisei por em mente que se eu não controlasse esse poder, também queimaria. Ao mesmo tempo que eu sentia algo bom na essência desse poder, sabia também que ele era semelhante àquela força obscura e invasiva. Ambas queriam me dominar, cada uma com seu proposito ainda desconhecidos para mim. E eu estava indo bem. Ouvia as árvores estalando quando eu fechava uma mão e ela era consumida por uma lufada de chamas e então elas começaram a se curvar para mim com seus galhos nus. E eu estava lá. E ele também.

Fridr estava totalmente diferente do que eu esperava. Ele estava de costas para mim, um pouco encurvado e imóvel. Mas o que me causou espanto foi vê-lo naquele aspecto. O que antes era verde e em tons de terra agora era branco como a neve e em tons de terra morta e sem vida. Ele era como um camaleão que se camuflava de acordo com as estações na floresta. Eu queria quebrar aquele silencio e gritar até que ele se virasse para mim, mas me vi paralisada e curiosa. Fridr estava com a atenção totalmente presa em algo. Me aproximei lentamente, passo a passo sentindo um aperto no coração e as chamas se intensificando dentro de mim. Os fios dourados que percorriam meus braços pareciam se mover como serpentes de fogo por baixo das mangas do meu vestido.

Além da Floresta | Versão Wattys 2020Onde histórias criam vida. Descubra agora