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Narração por Victor

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Eu tive uma primeira infância vazia...

Meus pais trabalhavam fora, trabalhavam muito. Tudo o que fizeram foi para conseguir a estabilidade financeira, ter casa própria e um carro do ano. E eles conseguiram. Tive um padrão de vida confortável, longe de ser rico, mas ainda assim era muito mimado. Porém os mimos eram brinquedos, roupas e itens recém lançados que eles na ânsia de me satisfazer pela falta que me faziam, compravam a fim de arrancar de mim uma expressão de contentamento. 

Se felicidade era ter bens materiais, posso dizer que fui um pouco feliz.

Dos seis anos em diante minha vida vem à memória fresca em flashes bagunçados. 

A visita de  tio Arlindo, que não se chamava assim na realidade, pois bem, era um pesadelo. Ele era um senhor solteiro, grisalho e meio metido à dar lições de moral nas pessoas, o mesmo era quem fazia brincadeiras idiotas e machistas enquanto alisava partes do meu corpo infantil, que eu ainda inocente sentia desconforto e não sabia como protestar contra.

Geralmente, creio eu porque minha memória não lembraria disso também, meu tio tinha um costume de dar soquinhos contra a região onde fica meu pênis, na intenção de ver o quão rápido eu me protegia de sua ação. Eu tinha medo dele por isso. Isso quando não dava petelecos ou pinçava meu pequeno membro e o apertava ainda em tom de brincadeira de moleque. Se eu chorasse, ele me chamava de menina. E às vezes pedia para que eu imitasse uma e meus primos, filhos de outros tios achavam graça, o que era um incentivo para eu obter atenção. 

Nem todos os finais de semana eram somente de terror, pois tio Arlindo não era muito querido por meus pais também. Não o suficiente para crer num menino de recém sete anos quando contei sobre as brincadeiras dele.

— O tio Arlindo sempre aperta o meu pinto. 

Contei ao meu pai em algum momento, mas ele estava meio alterado pela bebida, o que resultou em nada. Suportei portanto mais alguns encontros desconfortáveis antes de "lembrar" de contar à minha mãe. Pois eu tinha certo medo de apanhar dos primos e de meu tio. Não tive como mentir para ela quando me viu chorando. 

Finalmente ela questionou tio Arlindo que fez até um discurso religioso durante o almoço obviamente negou e ofendido deixou de nos visitar. Meu pai, que na verdade era sobrinho dele, dizia à minha mãe que eu era um guri perigoso e que esse tipo de mentira poderia causar problemas sérios na família, já ela ponderou e disse que como não viram nada, tio Arlindo também poderia estar errado. 

E uma pedra eles puseram sobre o assunto.

Depois disso meus primos que na infância achavam graça quando eu imitava meninas, também tiveram comportamentos nojentos, que eram brincadeiras tolas que hoje agridem mais à memória e ouvidos de quem ouve nossas histórias. Em geral eles apenas reprisavam o comportamento de seus pais que eram bastante machistas perto das mulheres da família. Bem como meu pai que geralmente se manifestava grosseiramente ao ver as novelas da época, dizendo que a personagem Sicrana de Tal deveria levar uns bons tapas ou que Fulana era muito gostosona, irritando minha mãe, que dizia:

— Por pior que fosse, eu preferia ter uma filha.

Isso me reprimia muito. Acho que ela receava que eu fosse repetir os comportamentos desses homens da família Salazar. Quem sabe minha admiração pelo gênero feminino começou a partir de minha prima Rebeca que era a única entre nós meninos e quem batia de frente com todos. Foi quem nos ameaçou, chegando a agredir fisicamente justo o mais velho e mais forte, nosso primo Juliano. 

Victor VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora