22 - Victor Vitória Salaz

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Decidi que eu deveria entregar ao Nero quaisquer informações a respeito de seus negócios. Ele podia não mais respeitar ou amar o Victor, mas confiava nele e por minha causa, a confiança sobre esse assunto foi comprometida. 

O homem estava esquiando na Casa do Caralho e avisou que no retorno viria até eu para resolvermos qualquer pendência. Reforçou sua paixão por mim com palavras vazias de posse e disse que só bateu no Victor em legítima defesa. Minha memória tanto quanto a de Victor não nos forneceu qualquer pista do que aconteceu, portanto também usei palavras vazias de ameaça. Garanti a ele que não tinha interesses monetários e abriria mão de qualquer direito do meu outro EU.

A partir de uma ideia de Gael, passo a deixar bilhetes ao Victor. E também por orientação, escrevo coisas brandas e que não o assustariam, não querendo chocar aquele que mais precisa de ajuda. Também não faltei nas duas sessões de psicoterapia nas semanas posteriores e pelo bem maior, eu aceito a indicação do doutor Guilherme. 

O dito cujo em questão, é um coroa carrancudo que não me encoraja a abrir a boca, nem mesmo incentiva com a introdução de qualquer assunto. É o próprio Gael quem primeiro fala sobre o que juntou de fragmentos de informações, suas suspeitas e fatos trazidos por minha memória. 

— Fale alguma coisa sobre a infância. — o doutor pede sem olhar na minha cara. Anota numa agenda velha suas informações como se realmente se importasse conosco. — A primeira coisa.

O que primeiro vem à tona são períodos que geralmente Victor estava a brincar com crianças de sua idade.

— Lembro que... era a diretora na brincadeira de orfanato. As amigas diziam que eu era mandona e encrenqueira, me parecia com suas mães, professoras, tias, vós... 

— Era tratada no feminino?

— Sim. Me chamavam de Vitória.

— Escolheu esse nome ou foram as outras meninas?

— Não sei. Eu só me lembro de me chamar assim.

— O que mais se lembra?

— Coisas ruins. Mas não eram comigo. Eu só lembro que passava por isso, mas era o Victor. É tremendamente confuso. Eu dividia os pensamentos com ele até uma idade. Não sei. Ele me reprimia quando... tio de nosso pai às vezes nos tocava e Victor não me deixava enfrentá-lo. 

Deus. Eu não quero chorar, mas pela primeira vez isso me acontece e choro muito. 

— Mexer no passado não é algo que faz bem, Vitória. — doutor Guilherme me estica lenços de papel e se refere a mim como ela. — Será que você não criou o Victor?

— Como assim? Eu nunca podia falar nada. Eu que era a reprimida. Queria sair de dentro do corpo dele, mas tinha consciência desde cedo que isso não era bom. Era muito raro eu ter a chance de simplesmente existir. Minha vida é intensa porque é curta, doutor. É triste viver assim.

— Imagino.

— Imagina? 

Espero uns minutos até que ele faça anotações e resmungue sozinho como se conversasse com alguém invisível. Gael me olha e sorri. Levanto a orelha para entender o especialista, mas ele se endireita e pergunta:

— Você o inventou?

Minhas lágrima escorrem pelo rosto, a fúria agita meu corpo, minha pressão altera-se e a tontura me faz girar sem sentido. Entro dentro de minha mente e lá ouço alguém a vociferar enfurecido.

Ninguém me inventou! Não quer nos ajudar, também não fale besteira. Nunca mais me faça chorar! — meu EU criança vem com força, eu o sinto, o compreendo e acho que posso sufocá-lo. É isso! Isso que Victor devia fazer comigo!!!

Victor VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora