27 - Victor Vitória

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Minha narrativa é falha, um pouco no presente, um pouco no passado ou com vislumbres do futuro que já vivi. Afinal hoje em dia, tantos anos depois de superar e amadurecer, me considero um homem realizado e feliz.

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O que mais eu digo sobre o que vivi até aquele momento, anos depois que meu divisor de águas chamado Vitória passou a viver na superfície e ao meu lado. Isso foi algo que me questionei ao completar meus trinta e um anos de vida.

Um dia antes de meu aniversário ainda no trabalho comemoramos com direito a um bolo feito por Raquel, abraços de Murilo, Afonso e os outros meninos novos, sendo que um deles, Alan, se tornaria um grande amigo. 

Memórias minhas, eu compartilho com ela. Ela comigo, somente através de seus bilhetes e também dos seus vídeos, sozinha ou com o Gael. Ele mesmo sugeriu que eu mostrasse ao doutor e eu a princípio tive meus receios de comentários que me desanimassem. 

Primeiro a vejo ajeitando seu cabelo e é tão fascinante. Maquiada discretamente e vestida com roupa chamativa, coisa de Vitória, ela sorri e diz: 

"Bem... Victor, meu EU mais sensível, tímido menino e cheio de sentimentos profundos, eu sou a Vitória e foi ideia do Gael de usar essa câmera para gravar a mensagem, porque sou lenta para algumas coisas, acredita? Victor, já está na hora de se libertar e de ser feliz. Só que felicidade não depende de ter um relacionamento e mesmo que o Gael fique chateado, preciso dizer para você menino, fique sozinho se quiser, mas se quer ir em frente primeiro se ame, se perdoe e se permita. Entenda que ninguém no mundo vai te proteger, nem o doutor, nem nossa mãe, nem Gael, é só você. Eu faço o que posso, afinal, sou parte sua (ou não) nesse corpo maravilhoso que Deus nos deu. Mas é isso. E chega de melação porque não gosto disso. Outro dia falo mais coisas. Ah, e não coma aquelas conservas nojentas com a Raquel, me dão gazes. Te amo. Se ame também."

— Não acha bonito isso?

— Eu nem sei o que dizer, doutor. Vitória me emociona. É como se fosse eu mesmo ou pelo menos é meu corpo masculino com uma mulher incrível contar coisas estranhas.

— Que tipo de coisas estranhas?

— Bom, ela é destra e eu sou canhoto. Detestamos leite que o Vitinho ama. Ela fumava e por mim parou porque tenho asma. Ela usa muita maquiagem e perfumes, quando sou alérgico a seus cremes e tenho rinite. 

— Viu como ser um pouco anormal não é tão ruim? Sua história de separação foi difícil, não foi? Com ela não foi um pouco mais leve de passar por isso? Tem pessoas que conseguem um equilíbrio e tudo o que precisam ser numa única identidade. Você rompeu isso. Porém, Victor, você tem muita sorte de viver em harmonia com seus EUS.

— Tenho mesmo. Definitivamente aceito que não sou apenas uma pessoa e gostaria que nem a chamassem de Transtorno Dissociativo de Identidade. 

Doutor Guilherme acha graça e diz que:

— Gostando ou não, um de vocês sofre disso. É a vida, Victor Vitória.

— Victor Vitória? — dou uma gargalhada.

— Vamos aumentar de sessenta para noventa dias as nossas conversas. Medicação vou deixar você nos 150 mg ainda. 

— Obrigado, doutor. Obrigado por tudo.

— Boa sorte Victor.


Bem, isso foi tudo no mesmo dia em véspera de aniversário. Gael esteve em curso nesse dia e deixou adiantado um dos presentes, um recado com a letra dela e o vídeo que mostrei ao especialista. 

Victor VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora