26 - Victor Vitória S

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Gostaria de aprontar alguma coisa e que isso pudesse impulsionar o Victor com violência para cima e para frente, mas a impulsividade é coisa minha, não dele. Guardo isso comigo para usar quando me cabe ou se um dia ele pedir que eu faça algo. Coexistimos bem e estou feliz dessa maneira. Não posso ter um corpo só meu, então preciso ajudar aquele que comigo o compartilha, viver em harmonia.

Algo que nos ajudou muito foi a aproximação de nossa mãe e a tentativa dela de nos compreender. Muito nos ajuda também, saber que Rebeca assim como o Gael me identifica imediatamente, Murilo que respeita esse espaço, meu colegas que não mais parecem incrédulos, as pessoas que realmente importam para nós, enfim. 

Não adianta o mundo saber disso se tem a mente fechada e acha que tudo se resolve facilmente conforme suas teorias rasas. Sabíamos desde o passado que não existia cura e Victor não ia querer ser curado pelo que deixou escrito em um de seus adoráveis recados:

"Vi, por favor, nunca me abandone. Preciso muito de você. Gael precisa também. E por favor não de detenha se está apaixonada. Ainda não estou pronto e fico na torcida, quem sabe amanhã, depois ou daqui uns meses eu realmente esteja pronto. Também te amo. Victor Salazar."

Victor desceu das nuvens finalmente. Seu sonho desde novinho era viver um romance melequento com um bofe rico que o tratasse como uma esposa da nobreza do século XV, ele realizou isso e infelizmente não teve uma boa experiência, preferindo "se arrastar por um rio de bosta" por cinco anos em vez de pedir a separação logo após completar os dois primeiros, por medo de viver o que viveu por alguns anos posteriores: ser solteiro ganhando um salário razoável e pagando aluguel. Acho que nunca estivemos melhor.

Dois anos se passaram sem que víssemos a cara do "falecido" (eu já pensando que ele jazia nas profundezas) e o Victor com o tempo parou de se questionar em silêncio, o silêncio que só eu ouvia. Muitos de seus pensamentos que me preocupam eu vigio, mas esses que lidam com sua superação mais complicada, eu deixo que ele lide.

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— Victor. — Próximo às dezoito horas quando estou saindo do banheiro do escritório, Raquel diz que um homem ligou perguntando se eu ainda estava. — Eu reconheci a voz e é do seu ex. Falei para ele subir. 

— Ah! — Bato o ponto seis minutos antes, pego minha chave, corro até a porta de minha sala, Murilo sorrindo pede se tenho um minuto e pedindo-lhe desculpas comento que não, pois apareceu uma urgência. Na frente do elevador lembro de algo. — Merda, minha carteira. 

Volto para buscar, corro e me esgueiro pela escada do prédio fechando a porta e descendo cada degrau com o coração descompassado como se estivesse em uma perseguição. Sinto os meus batimentos na goela e não paro de me perguntar como desci tão rápido e o por quê de ter fugido como bandido.

Dobro uma esquina e saio na Avenida Beira Rio. Depois de quatro minutos passa um ônibus no qual não presto a atenção nem no itinerário. Quinta-feira seis e quinze, eu dentro de um transporte público fugindo do homem que tanto me atormentou. Eu não quero falar com ele. Não quero saber de nada. 

Que saco! 

Quando percebo estou chegando no outro lado da cidade. Mesmo que o motivo de minha "fuga" tola não me ofereça risco algum, a sensação desse pequeno ato de ousadia para eu Victor, foi quase extremo perto de coisas que nunca pensei em fazer. Minha mãe mora numa das Itoupavas, onde cresci e para onde volto, numa visita improvisada.

Desço no último ponto do bairro Itoupava Norte e caminho por uns oitocentos metros encontrando o portão baixo e sem cadeado da casa de Valéria Schwartz (ex-Salazar) que por sorte estava em casa. Como sempre deveria ter sido, ela me abraça tão forte que me sinto acolhido, depois me pergunta sobre minha terapia, minha medicação, trabalho e o que mais foi lembrando, inclusive sobre Vitória.

Victor VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora