4 - Vict

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Ainda naquele ano em que meus vinte se arrastavam com o peso que eu jogava na idade, entrou em minha vida um homem que ia dar um sentido a tudo por um longo tempo.

Eu não prometi um capítulo brando em minha história, mas ele existiu, ainda que tenha começado depois de um evento pesado e que me deixou extremamente confuso. Não consegui entender o que houve comigo naquele final de tarde de uma sexta-feira, além de tudo no inverno, época em que a umidade é incômoda, as nuvens não dissipam, tudo fica cinza e melancólico. 

Meu chefe contou uma piada de gaúcho "machão" sugerindo que ele era gay passivo, usou a palavra pederasta e disse que preferia filhas putas do que filhos gays e eu explodi internamente, pois pensei em mandar todos a merda e quem sabe acabar com o tom claustrofóbico disso tudo que já escrevi.

Caminhei até o banheiro e lá olhei no espelho querendo invocar o demônio se possível e depois disso, encher todos de socos, chutes e palavras tão dolorosas como essas coisas que estavam me carregando para meu limite. Ali eu senti algo que quase me sufocava e pensei em um discurso bastante forte com palavras de poder e libertação. Eu tinha tudo na ponta da língua, inclusive ameaçaria a todos com um processo por esses danos, eu me assumiria dentro da empresa e depois em casa e depois mandaria o mundo inteiro se explodir. Depois me jogaria daquele andar e acabaria com meu mundo e essa história lenta e irritante.

Eu só não queria mais ser eu mesmo.

Porque eu tinha tanto medo?

Onde que estava a parte forte de mim?

Quando percebi que estive tempo demais naquele banheiro, quis sair de lá, mas meu rosto estava molhado e meus olhos inchados de tanto chorar.

Como eu era um funcionário que tinha um histórico profissional bom, como já comentei, meu chefe tentou extrair algo de mim para me "ajudar". Não permitiu que eu me demitisse à princípio e finalmente eu abri a boca, querendo pela primeira vez que tudo se fodesse.

— Então ficou chateado por causa da piada? Qual o problema? Nesse prédio tem outras bibas. Para de drama, Victor. A gente sempre soube.

Claro que todo mundo sabia. Era só me olhar caminhando, segurando um documento, falando e rindo. Agora estaria tudo bem? Juro que tive esperanças. Também confesso que senti um alívio forte ao admitir aquilo. Não me importei com a palavra biba naquela hora.

Então eles sabiam? Mesmo assim debochavam de mim, indireta ou diretamente?

De repente eu apaguei. De certo fiquei inconsciente no chão. A última coisa que lembro foi uma falta de ar que resultou em desmaio e muitas pessoas me olhando assustadas. Quando voltei ao normal, estava sentado em minha mesa e solitário como se ninguém se importasse, quisesse manter distância e ao mesmo tempo em lhes preocupara. Supus que tive uma convulsão. Isso não é nada agradável de presenciar. E penso que foi isso. Nunca soube.

No dia seguinte me demitiram. Redução no quadro de empregados como justificativa e na semana posterior, anunciaram a vaga que desocupei em aberto.

Sem forças para gastar com a procura de soluções para problemas que eu queria esquecer, eu tentei apenas esquecer. E estar desempregado não era o fim do fundo. Meu pai sempre ajudou financeiramente, a título de pensão alimentícia, o que foi além dos meus vinte e poucos anos.

Meu currículo era bom e eu ficaria parado por uns três meses se fosse o caso. Depois quando recebi a segunda parcela do único seguro-desemprego que já retirei, passei num supermercado próximo à minha casa querendo inventar de fazer sopa quente para amenizar o frio, aproveitei para escolher alguns sabonetes mais cheirosos além dos básicos que meu padrasto miserento comprava, então no açougue peguei peito de frango e saindo da fila olhei para trás... ali finalmente o vi. Foi como um imã para meu olhar.

Victor VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora