2 - Vi

483 48 39
                                    


Para acalmar os nervos, confesso que os anos 90 não eram feitos de trevas, à não ser que olhássemos para eles com esse pensamento.

Naquela época na mesma empresa onde eu trabalhava não conheci outro homem gay, mas pelas redondezas às vezes esbarrava em algum, quando ficava óbvio, pois afeminados sempre foram os mais corajosos, com exceção de minha própria pessoa. Dava para distinguir quando encontrava um igual e conforme o ambiente nossos sorrisos eram correspondidos com certa cumplicidade. 

Os hormônios da juventude perturbam tanto que a masturbação parece uma necessidade diária como tomar café da manhã, ir ao banheiro, tomar banho, respirar e tomar água. A timidez e a solidão chega a incomodar criando um buraco que nos suga para o vazio que fica parecendo uma loucura infinita ter esse tipo de vida. O tempo não passava, nada ia adiante. E eu não tinha esperança de que alguém fosse gostar de mim, estando totalmente entregue aos dramas adolescentes. 

Platonismo é o tipo de amor que nos permitíamos, podíamos amar qualquer homem que nos interessasse. 

Falar em amores. Todo mundo tem um amor que nos faz emagrecer.

Meu sobrepeso que veio com as espinhas, sedentarismo e descontrole alimentar fora incentivado por minha mãe quando retornei para sua casa entre os quinze e dezesseis anos. Dona Valéria me queria debaixo das suas asas como nunca antes e excedeu no zelo, presentes e comida. Mesada. Mimos. Gordura no abdômen, nas coxas e na bunda.  Acontece que perdi tudo isso e mais um pouco quando senti as primeiras pontadas de amor não correspondido e real por alguém próximo e não pelos atores de novelas globais.

Aos dezoito mesmo, um dos rapazes que tomava o ônibus comigo que suspeitei ser como eu, confessou-me num segredo mal contado que ele mantinha um namoro para afastar-se de sua realidade bissexual. Acabei ficando com ele por não haver muitos interessados a minha volta, falo de caras mais atraentes e menos abaitolados. Esse macho que chamarei de Ruan apelidado de Paquito por seus amigos devido à sua beleza padronizada, era um babaca.

Mas ainda assim eu me apaixonei. Uma besta apaixonada. Eu também era um babaca.

Ruan saía comigo às escondidas, eu aceitava, então o problema era meu. Qual cara não quer curtir um gay faminto a quem é permitido desfrutar de um corpo bem definido, cheiroso e uma rola grossa pouco usada? Ainda mais quando o cidadão em questão namora uma moça que espera se casar virgem com ele. O gay faminto se apaixona, faz o melhor sexo oral e permite que seu cabaço seja rompido com sangue para simbolizar essa virgindade que eu tanto prezei para dar ao homem que eu julgasse amar.

Às escondidas, Paquito era tão carinhoso que dava-me a impressão de que teria respaldo se me assumisse. A primeira vez que toquei nesse assunto, estávamos deitados numa cama de motel, ele me olhava com quase ternura, eu mexia em seu rosto quase perfeito, sequei uma lágrima sua e ele secou várias lágrimas minhas. Estava ainda mais certo de que tudo fazia parte de um pacote de amor. 

Às claras, Paquito me inseriu entre seus amigos e dava-me uns toques de como agir perto desses caras. Especialmente dos meus trejeitos, ele sentia vergonha. No início, ele negava junto comigo sobre minha "suposta homossexualidade" e antes que ficasse complicado para si, Paquito juntava-se com os seus em piadinhas detestáveis.

— Victor, ôrra, bundinha empinada, hein.

— Essa pede.

— A boca também.

— Credo! Você me respeitem! nem sei que palavras eu deveria usar para que eles não caíssem naquelas gargalhadas sonoras. O pior é que Ruan não mais abria a boca para cortar essas brincadeiras e com o tempo ajudava-os com coisas ainda piores e a mim dizia apenas:

Victor VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora