25 - Victor Vitória Sa

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Queria só uma oportunidade de conversarmos frente a frente. Não tem como. Só por meio dos bilhetes.

"Vitória. Obrigado por estar comigo. Saiba que o doutor Guilherme disse que tenho sorte de estarmos juntos. Gostei muito dele, sabe, conversar ajuda muito. Victor."

Que letra feia! Rio e choro ao mesmo tempo dando um beijo no seu bilhete. Que amor, esse menino.  

Em frente ao espelho escrevo meu nome com o batom vermelho. Minha caligrafia é feia não adianta, mas ainda assim me faz lembrar a sua. Escrevo-lhe mais um bilhete, lembrando-o de cuidar de seu bem estar e explicando-lhe sobre como poderão ficar as coisas caso ele venha a falhar e regredir:

"Victor, estou feliz que aceitou cuidar de si, aceitou que temos algo que precisa ser tratado não sei de que maneira. Tanto eu quanto você estamos sempre perto de explosões e delas, nasce algo que pode se tornar difícil de controlar. Parece injusto que eu tenha todas as suas memórias, você não tenha as minhas. Não sou sua loucura e você nem ouse em achar que é maluco. Não sei explicar essas coisas. Só sei que vou cuidar de nós. Ai de quem se meter com você! Te amo. Vitória."


Não há como ler e não me emocionar. Entendo um pouco melhor o que há comigo. O batom sobre a pia do banheiro, a letra feia que parece meu garrancho do fundamental. Engraçado que com a mão direita eu escrevo igual. Sempre fui canhoto e até por isso sofri na escola quando a professora achava que por teimosia eu escrevia com a mão "errada", dona Ieda me forçava a escrever com a destra, mas não lembrava-me disso até escrever meu nome com esse batom. 

Choro ao constatar que sou eu, ainda que não seja EU Victor quem escreveu, mas uma mulher com nome de Vitória. 

Victor 

Vitória

Releio seu recado várias vezes e tento copiar sua letra. Seria a mesma caso eu fosse destro. Mais uma vez a emoção toma conta de mim. Muitas peças se encaixam sob minhas lágrimas. Tudo o que passei com medo de viver parece ter liberado algo que eu sufocava e que chamava de loucura estando certo que seria medicado fortemente pelo doutor Guilherme.

Lembro que pedi à minha mãe que fosse junto, assim como Gael que nem precisava ser solicitado, é o primeiro a marcar presença. Eu relutei em entrar, não gostei do ambiente branco sem nada de relaxante além da cadeira. Sem quadros com paisagens, sem os enfeites engraçadinhos da mesa do psicólogo Gael que ali era o profissional além da amizade.

Mas eu abri o que estava encarcerado. Fechei os olhos quando comecei a falar. Despejei em uma hora, anos de infância, Tio Arlindo e meu pai. Meus primos. Minha própria mãe e sua confissão a respeito das tentativas de abortar. Sua omissão perante minhas queixas em relação ao assédio do tio e até das crianças mais velhas da família. Sua ausência. Tudo o que saiu foi jogado fora de mim com mais lágrimas, um "vômito". Eram apenas palavras que saiam e não as mágoas, era o dedo na ferida. Percebi a profundidade de tudo.

Nero pelo jeito havia se mudado ou estava assustado com aquele ataque que Gael contou ter ocorrido. Entre as sessões de psicoterapia, fui convencido a fazer academia e puxei comigo a Raquel que se surpreendeu com minha iniciativa. Um dia enquanto tomávamos um chá no meio da tarde, ela disse que marcara uma consulta com uma endocrinologista, porque Afonso disse que ela tinha hipotireoidismo. 

Victor VitóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora