Beatrice Dias mais uma vez se abaixou para pegar seus livros que foram jogados no chão, não fez questão de encarar a garota que desde o primeiro ano infernizava sua vida. Agora no terceiro ano do Ensino Médio, a ruiva não via a hora de poder finalmente terminar seus estudos para ficar longe do monstro de saltos altos.
Primeiro Dias achou que eram apenas brincadeiras da loira e que ela apenas queria irritá-la, algo infantil que com o tempo passaria. O que aconteceu foi que ela estava enganada, pois se passaram dois anos de pegadinhas e brincadeiras idiotas e a rica estudante não demonstrava nenhum sinal de que iria parar.
— Com todo o respeito Dias, mas por que você não se vinga? — Rio apareceu enquanto prendia os cabelos castanhos em um rabo de cavalo, logo em seguida ajeitou a franja.
— Porque fazer o mesmo só ia tornar isso ainda mais infantil do que já é. — Beatrice suspirou e caminhou em direção ao seu armário que ficava ao lado das portas do refeitório. Ela colocou pacientemente a senha no armário antes de se virar para Rio que a encarava entendendo o ponto de vista.
Rio sabia muito bem que Beatrice era boa demais para o mundo real e que um dia isso ainda ia acabar com ela, mas permaneceu em silêncio para não estragar as boas intenções da amiga. Lembrou-se de uma situação na infância em que Beatrice havia a consolado, as outras crianças eram preconceituosas e malvadas — Como os pais delas eram — e diziam para Rio o quão anormal era que ela tivesse dois pais. Beatrice interviu e desde então as duas não se largaram mais.
O problema só ficou sério quando chegaram no ensino médio e não podiam mais ir para as mesmas classes pela mudança dos horários, o que aconteceu foi que Beatrice se viu isolada, e por ter uma personalidade bondosa foi pega facilmente pelo demônio feminino que praticava bullying. Antes Rio estava sempre ao seu lado com sua língua afiada, pronta para responder a qualquer insulto, e durante dois anos, ela não esteve mais.
Isso não balançou a relação das duas mas Rio sabia o quanto aquilo prejudicava sua amiga. Ela era boa demais para pagar na mesma moeda.
— Quem te deu esse direito? — A frase ecoou pelos corredores e todos os alunos se viraram na direção da voz grossa e cheia de raiva.
Johnatan Müller estava ali. Beatrice sabia quem John era porque havia estudado com ele na infância e tinha a memória muito boa, nenhuma daquelas pessoas devia se lembrar dele, nem mesmo Rio. Mas Beatrice lembrava.
— Você acha que está me assustando aberração? — O garoto do time de basquete respondeu enquanto dava uma risada e John sorriu ainda mais largo que o garoto, mostrando as covinhas que em outra situação seriam adoráveis e não ameaçadoras.
— Eu não dou a mínima pra que tipo de fetiche você tem Fernandes, mas se te pegar usando essa merda — Muller segurou o celular no alto e o balançou, Fernandes tentou inutilmente se igualar a altura de John que passava da altura normal de um jovem da sua idade. — pra tirar fotos minhas, eu vou ter o prazer de te fazer engolir.
Beatrice colocou as mãos sobre a própria boca assustada e virou-se para Rio, assistindo a garota prender sem sucesso uma risada.
Müller esticou o celular em direção à Vitor Fernandes e o encarou com uma fúria que parecia ser de outro mundo, quase como se seus olhos estivessem em chamas.
— Senha. — Sua voz soou estrondosa e ele pressionou o pescoço do garoto com uma das mãos, o que já era força o suficiente para deixar o mais baixo totalmente sem ar e sem saída. Ainda resistindo a humilhação que estava passando, Vitor balançou a cabeça negativamente enquanto sorria, tentando em vão tirar a mão de Müller de seu pescoço. — Não reclame então.
Johnatan Müller tirou os dedos do pescoço de Vitor e se afastou, em poucos segundos o celular foi jogado no chão e um barulho alto de metal esmagado foi ouvido quando sua bota preta pisou o celular, quebrando-o e deixando o interior do mesmo à mostra. Nesse momento, Beatrice pode jurar que os olhos de John haviam se tornado escuros como a noite.
— Filho da puta! — Vitor gritou em direção à John e o que ouviu em troca foi uma risada rouca que já se afastava de toda a atenção que havia chamado.
— Da próxima vez que quiser que eu te foda, é só pedir Fernandes.
Assim que a figura com roupas pretas saiu, o corredor se explodiu em vaias e risadas em direção ao jogador de basquete que apenas recolheu o cadáver de seu celular e retornou para o Ginásio de onde provavelmente nunca mais desejava sair.
— Caramba, isso foi intenso! — Rio disse em direção à ruiva sem conseguir esconder a animação que a cena provocara em sua mente.
— E errado também. — Beatrice disse ao fechar o armário e tirar de lá os livros da próxima aula que seria Filosofia.
Rio deu uma risada do moralismo exagerado de Beatrice e segurou a amiga pelo braço, levando-a em direção à sala de história que ficava no andar de cima.
— Qual é Dias, o cara foi errado de querer tirar fotos dele sem permissão.... — Rio defendeu John apenas para ver qual seria a reação da garota em relação à isso e conseguiu exatamente o que queria de volta.
— Eu entendo que deve ter sido ofensivo, mas o que ele fez com o cara do time também não foi legal, existem outras formas de lidar com os problemas além de ser um homem das cavernas. — Dias falou ajeitando os óculos no rosto e a índia ao seu lado se deixou dar um sorriso de lado antes de empurrar Beatrice para dentro da sala.
— Quando lidamos com homens da caverna, também temos que agir como eles! Não se esqueça disso Dias! — A jovem saiu rindo em direção ao ginásio onde teria Educação Física.
Beatrice sentou em uma das cadeiras da frente e respirou fundo, o professor Pedro já havia escrito algumas coisas na lousa antes mesmo de todos os alunos entrarem na sala.
— O trabalho do bimestre é esse seminário sobre o tema Liberdade, e antes que perguntem pois se esqueceram das aulas de português, uma dupla é constituída de duas pessoas. — A sala respondeu à fala do professor com risadas e o mesmo sorriu antes de segurar o seu diário e se sentar na mesa que estava em frente à lousa.
Aos poucos todos os alunos chegaram e se sentaram em suas cadeiras, foi só aí que o professor revelou sua grande surpresa. Era ele quem iria escolher as duplas.
— Não quero ninguém ficando de fora desse trabalho, além do mais, é muito interessante ver vocês surtando. — O professor falou e Beatrice sorriu, não deixou de notar que Johnatan estava sentado logo atrás de Julia, a loira que tornava sua vida escolar um pesadelo.
A única coisa que Beatrice pedia em silêncio era que não fosse colocada como dupla da megera. Nesses seminários ela sempre preferia fazer sozinha, mas o professor estava determinado em estragar seus planos naquele dia.
— O trabalho de vocês vai ser fazer qualquer intervenção que prove seus argumentos, como um experimento. — O professor disse enquanto escrevia a palavra "Duplas" na lousa. — vai ser tudo um sorteio, então vocês não podem me culpar pelo destino.
Assim que o professor começou a tirar os papéis de um chapéu que estava sobre a carteira branca a tensão se espalhou e Beatrice sentiu seus dentes cerrarem, estava mais nervosa que qualquer um dentro da sala.
— Johnatan Müller. — Pedro disse em voz alta e foi possível ouvir um burburinho se espalhar, Beatrice acreditou que a maioria das pessoas também não queriam ser dupla dele.
Müller encarou o professor com uma expressão impassível.
—E Beatrice Dias. — O professor disse com um sorriso em seus lábios e se virou em direção à ruiva, que engoliu em seco o olhar penetrante que recebeu agora do seu novo parceiro de trabalho. Se ele tivesse visão laser talvez tivesse feito um furo na sua cabeça.
Ok, por essa eu não esperava — Beatrice pensou antes de se virar timidamente em direção o rapaz alto.
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Ruído
RomanceJohnatan escuta uma voz em sua cabeça, maligna, um demônio. Beatrice tem medo de quem derruba seus livros todos os dias. Duas vidas cheias de ruído, como uma televisão fora do ar. Talvez juntos eles finalmente sintonizem.