Sussurro

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— Müller, você tem que comer alguma coisa. — O encarregado de cuidar do garoto falou pela terceira vez depois de bater na porta do quarto, mais uma vez trancada.

O homem de terno não era mais um jovem e se sentia irritado por ter recebido aquele trabalho, ele não queria ter que cuidar daquela maldita criança. Mas o garoto seria o futuro dono da empresa da família e ele era obrigado a cuidar dele.

— Garoto, Não vou deixar você morrer de fome aí dentro. — O homem suspirou exausto, ele não era a porra de um mordomo, era um segurança.

Deveriam ter contratado alguém melhor pra cuidar do pirralho.

— Se você não sair eu vou perder o meu emprego, eu tenho filhos pra criar. — O segurança mentiu, tentando apelar pra ver se o menino aparecia mas ao invés disso o que ouviu foi o barulho alto e estridente de vidro se quebrando. — Ei, tudo bem aí dentro?

— Não, não!

O grito de dor do menino ecoou por toda a casa e o segurança se desesperou, seus dedos tremeram quando ele tentou abrir a maçaneta mais uma vez, e então outra vez.

— Garoto! Se estiver perto da porta se afaste, eu vou entrar! — O homem ouviu outro grito estrangulado de dor e se afastou, jogando o ombro contra a porta logo em seguida, destruindo a tranca. O pedaço de madeira bateu contra a parede.

— Tira isso de dentro de mim. — O garoto sussurrou em frete ao espelho despedaçado na parede em sua frente.

— Tirar o que? — O homem perguntou franzindo as sobrancelhas, não fazia ideia do que o menino estava falando.

A situação só ficou complicada quando a criança se abaixou e segurou um pedaço de vidro do chão, as mãos do pequeno tremiam tanto que o segurança entrou em pânico. O homem caminhou para perto do menino e o mesmo caminhou para trás em resposta.

O adulto respirou fundo e focou em tentar tirar o pedaço de espelho da mão da criança.

— Eu quero que isso saia de dentro de mim! — O garoto gritou, as lágrimas já desciam pelo seu rosto como cachoeiras.

— O que?! O que você quer que saia?!

— Esse.... Esse barulho, na minha cabeça. — O menino disse e olhou para o homem, o horror estampado nos seus pequenos olhos pretos.

Rapidamente o segurança ligou os pontos.

Esquizofrenia?

— Ei.... Eu preciso que se acalme por um momento. — O segurança pediu, agora tomando muito mais cuidado do que antes — Quero que me entregue isso na sua mão, tudo bem?

O homem se abaixou, ficando de joelhos na frente da criança. A única coisa que conseguiu com isso foi a visão mais assustadora de sua vida, nunca mais conseguiria tirar aquela imagem da cabeça.

O garoto apertou com força o pedaço de vidro afiado e encarou o resto de espelho que ainda permanecia na parede, em questão de segundos o braço do menino fez um ângulo assustador e a mão voltou em direção ao rosto dele.

— Eu odeio você! — O menino gritou cheio de dor para o ruído dentro de sua cabeça e o ferimento se iniciou em cima da sobrancelha, mal calculado. — Eu odeio você. — A criança chorou quando o movimento desceu e passou sobre seu olho esquerdo. — Eu não consigo ver.... Saia dos meus olhos. — Ele pediu em direção ao espelho e seu braço fez o ângulo novamente.

Antes que o menino começasse a arranhar de novo o segurança se moveu e puxou a criança para o colo dele. O pequeno corpo se debateu, as lágrimas se misturando agora ao sangue que manchava a metade esquerda do rosto dele.

— O que você-

— Eu odeio você! — O menino gritou e o soluço saiu de seus lábios enchendo o ambiente de mágoa e tristeza. — Eu odeio você, odeio você....eu odeio....

O homem teve a fala interrompida novamente pela surpresa de ver que o sangue inundava o olho do menino, a pupila que antes era escura voltando lentamente para um cinza.

Do cinza para um verde militar e então um verde claro.

Ele tinha olhos verdes.

— Puta merda.

RuídoOnde histórias criam vida. Descubra agora