Quando Beatrice voltou para seu quarto se sentiu derrotada e cansada, a dor no braço já não incomodava tanto quanto as outras dores corporais, merecia uma boa noite de sono. A ruiva olhou ao redor e percebeu que Rio dormia calmamente na cadeira ao lado do filtro, seu pai estava deitado sobre as coxas da sua mãe, ambos no banco de couro mas diferente de Marco Vitória ainda estava acordada. Ela conversava baixinho com um senhor dos cabelos brancos que Beatrice nunca tinha visto antes.
E bem ao lado da cama dela em uma cadeira de plástico, descansava o corpo de John.
— Você deve ser a Beatrice certo? Me chamo Francisco, sou segurança do John. — O homem disse sorrindo e Beatrice franziu o cenho, não sabia da existência de ninguém que era ligado pessoalmente com John, mas mesmo assim sorriu em resposta. — É certamente uma novidade pra mim encontrar uma amiga dele, ele sempre foi uma criança difícil.
— Não sei se somos amigos. — Beatrice disse se sentando sobre a cama e sentiu a expressão do homem sobre ela, sua mãe também a encarou curiosa. — Nós brigamos hoje, acho que ele não está tão feliz assim por eu estar bem.
— Acho que você precisa olhar de outro ângulo menina. John tem uma maneira muito peculiar de demonstrar a preocupação dele. — O segurança sorriu, sabia que o garoto só tinha mandado ele embora porque se sentia responsável pelo o que acontecera e que no fundo só estava preocupado. O fato é que ele tinha sido forçado desde muito pequeno a lidar com as consequências das emoções dele.
Mesmo que as consequências não fossem realmente sua culpa, o segurança sabia que Johnatan sentia as coisas demais.
Depois do esclarecimento Dias só conseguiu encarar John e a expressão agonizante em seu rosto. Ele estava tendo um pesadelo?
— Johnatan? — Bia chamou seu nome, esperado acordá-lo daquilo.
Francisco sabia o que estava acontecendo e se levantou imediatamente.
— Não. — A voz de John sussurrou, a garota sentiu seu coração se apertar quando encarou sua mãe, a mulher também observava assustada. — ...hmm.... — A voz do rapaz tremeu e a ruiva se esforçou para tentar entender o que ele dizia. — Mãe?
A pergunta fez o coração da garota se despedaçar completamente. As sobrancelhas de John fizeram um arco triste e seus olhos se apertaram.
— Johnatan, acorda. — Ela pediu, sua voz soando assustada e abatida. Seus pés se moveram sozinhos quando ela saiu da cama e parou na frente de John.
O segurança de aproximou e segurou o rosto do garoto.
A respiração do moreno acelerou e a ruiva sentiu a frustração levar a dela embora também, ele estava sonhando com os pais dele?
O rapaz tremeu sobre a cadeira e Vitória se levantou imediatamente, acordando Marco.
— Não.... não, não, não! — A expressão de Johnatan agonizou e seu rosto se virou ficando de perfil contra a parede, os nós dos seus dedos estavam brancos enquanto ele apertava o apoio da cadeira. — Não.... — Ele chorou e a ruiva encarou sua mãe, a respiração dela também estava acelerada e ela não fazia ideia do que estava acontecendo.
— O que é isso? — Marco perguntou se levantando para ver o que Beatrice e Vitória estavam enxergando.
O velho se aproximou, abraçando o rosto de John contra seu corpo na esperança de acalma-lo como fazia quando ele era menor, mas o ato não teve efeito nenhum, pois as mãos do mesmo empurraram o homem que cambaleou para trás.
— John! — A garota gritou e como mágica os olhos verdes se abriram, a respiração ainda fazia seu peito subir e descer quando ele sentiu a bile subir sua garganta. O rapaz se levantou ainda trêmulo e cambaleou se apoiando na cômoda.
Rio acordou com o barulho alto da porta do banheiro abrindo, o que se ouviu em seguida foi uma sequência triste do rapaz vomitando.
As mãos grandes do moreno agarraram a borda da privada com força e Beatrice andou depressa em direção à porta branca, Johnatan viu ela chegar pelo canto do olho e estendeu o braço na sua direção, mostrando a palma da mão.
— Não entre.
— John, você estava-
— Eu sei o que estava acontecendo. Não entre.
A essa altura do campeonato todos já estavam na frente da porta, extremamente preocupados com a situação. Marco tinha certeza que era porque o garoto andava bebendo, Rio achava que ele estava doente, Vitória sabia que ele estava tendo um pesadelo, e Francisco viu a cena passar na frente dos seus olhos, como um filme que ele já conhecia muito bem.
— Você não pode me impedir. — A ruiva respondeu irritada e John pressionou a descarga, fechou a tampa e se sentou sobre o vaso. Sua cabeça girava como se ele estivesse em um carrossel, não fazia ideia de como parar aquilo todas as vezes que acontecia. Era um inferno.
Johnatan segurou a cabeça e apoiou os cotovelos sobre os joelhos, a dor estava ainda pior agora que ele não estava dormindo. O pesadelo era o mesmo de sempre mas tinha algo novo. O pique esconde, seu pai rindo, e sua mãe não era sua mãe. Beatrice. O roxo das cortinas.
O corpo dela sobre o piso, os cabelos ruivos sujos de sangue. Que diabos de pesadelo era aquele?
— Vou chamar um médico. — Rio falou rapidamente e Johnatan balançou a cabeça.
— Um médico não vai resolver meu problema. — A frase saiu rouca quando ele levantou o olhar para as pessoas ali, foi só aí que reparou a ruiva na sua frente. — Desculpe.... Eu não queria acordar vocês. — Ele pediu, arrependido. As imagens vermelhas ainda martelando sua visão.
— Pare de se desculpar, não foi sua culpa. — Vitória disse e John sorriu fechando os olhos, as duas eram realmente parecidas. — Vou comprar um dramin*. — E a mulher saiu novamente do quarto como um furacão, arrastando o marido junto.
Rio notou que o corpo do rapaz ainda tremia.
Bia sorriu e se aproximou, abraçando o rosto de John contra sua barriga.
— Foi só um pesadelo, vai ficar tudo bem.
"Não vai não." — A voz sussurrou e John se deixou levar, irritado.
Ele não conseguiu levantar os braços em resposta ao carinho da garota, sua mente ainda estava dentro do sonho. O moreno respirou sentindo o cheiro agora fraco de morango que vinha da ruiva e fechou os olhos, quando ela estava ali ele queria estar bem. Desejava desesperadamente estar bem.
— Desculpe. — Foi a primeira vez que Johnatan disse aquela palavra pra ela, mas sentiu que era o certo. Dentro do que sobrou da sua alma destruída ele sabia que deveria pedir desculpas à garota por tudo, até mesmo por respirar. — Desculpe. — Müller repetiu, sabendo que uma ou duas vezes nunca seria suficiente pra que ela o perdoasse.
Porque ele estava completamente apaixonado por ela.
— Eu estou aqui pra você.
E dentro da mente distorcida do demônio ele não sabia o que aquilo signficava.
Johnatan se embriagou um pouco mais no perfume de morango antes de levantar e caminhar em direção à porta, era melhor que ele fosse para casa. Ele queria ficar longe dela. Por mais que ele sentisse seu coração voltar a bater perto da garota, ele sabia que só a força das algemas em seu quarto seriam capazes de segurar o demônio dentro dele.
— Ei, me passa o seu número. — Rio deu o celular para John antes que ele pudesse sair do quarto. — Quando ela tiver alta eu te ligo.
O rapaz digitou o número antes de sair da sala e deixar o ambiente em silêncio, entrou no elevador sendo seguido pelo velho e pôde ver os cabelos rebeldes da mãe de Beatrice passarem pela brecha apressados, ela tinha mesmo ido comprar o remédio.
Enquanto o calafrio comum descia sua espinha o rapaz não deixou de pensar no que a garota havia falado, ela estava li pra ele.
E ele precisava que ela não estivesse.
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Ruído
RomanceJohnatan escuta uma voz em sua cabeça, maligna, um demônio. Beatrice tem medo de quem derruba seus livros todos os dias. Duas vidas cheias de ruído, como uma televisão fora do ar. Talvez juntos eles finalmente sintonizem.