No silêncio que se estendeu pelo ambiente durante alguns minutos enquanto Beatrice arrumava suas coisas no armário, John acompanhava a garota de perto encarando-a e se divertindo com o jeito desajeitado dela.
Beatrice não conseguia parar de pensar no quanto estava sendo idiota, ela sabia que John não faria nada com ela mas ainda assim estava nervosa pelo o que havia acontecido mais cedo, ela achou que as coisas estavam ficando piores mas não achou que seria agredida.
— Garota? — John perguntou curiosamente em direção à ruiva, havia algum tempo que ele estava tentando falar sobre onde iriam fazer o trabalho, mas Dias parecia ainda mais distraída do que o normal, não tinha ouvido sequer uma palavra.
— Ah.... Desculpe, eu não estava prestando atenção. — Dias falou envergonhada antes de colocar uma mecha do cabelo atrás da orelha e olhar para o chão, de repente havia se esquecido de como se comportara durante a vida inteira. Não sabia dizer o porquê de não conseguir se estabilizar.
Eles pararam de andar no meio do corredor vazio, e John sabia que estava acontecendo de novo, era de se esperar mas ele não achou que a ruiva teria tanto medo dele assim.
— Escuta, se você não quiser fazer o trabalho comigo Beatrice, nós podemos falar com o professor. — John disse calmamente antes de se encostar em um dos armários, apesar de tentar não deixar isso transparecer estava visivelmente decepcionado. Ele pensou que porque era Beatrice, as coisas seriam diferentes.
Beatrice finalmente o encarou, surpresa.
— N-não, não é isso! — Ela respondeu rapidamente, sentindo-se desconfortável com a ideia de ter que pedir para o professor trocá-la de dupla, além do mais, se ela não fizesse com John, não havia ninguém na sala com quem gostaria de fazer. — É só que eu preciso me acostumar, eu não quis ser rude.
Beatrice olhou para baixo e John suspirou.
— Você poderia pelo menos fingir que não está com medo de mim? — John riu de escárnio antes de revirar os olhos e abrir o armário para pegar uma mochila preta e alguns livros.
Beatrice o encarou ofendida.
— Eu não estou com medo de você.
John sorriu mais uma vez e prendeu os cabelos que caíam sobre seu rosto em um coque antes de se virar para Beatrice e se abaixar para poder enxerga-la melhor.
— Então por que não consegue me olhar nos olhos? É por causa disso? — John riu mais uma vez enquanto apontava para o próprio rosto, agora ele estava nervoso.
Beatrice finalmente encarou seus olhos, apenas para ver algo que estava evitando encarar, a enorme cicatriz que começava acima da sobrancelha, cruzava o olho esquerdo de Johnatan e terminava na bochecha. O que ela nunca havia notado era o quão verdes os olhos dele eram.
A ruiva nem sequer conseguiu negar que o que ele estava falando era verdade, ela estava evitando olhá-lo nos olhos justamente por causa da cicatriz pois pensou que se o encarasse do jeito que todos encaravam acabaria julgando-o, e sem perceber foi exatamente o que ela fez ao tentar desviar o olhar.
John encarou Beatrice procurando algo nos olhos da garota, qualquer coisa.
Mas não achou nada.
— Quer saber? Esquece. — Ele falou antes de fechar o armário com força e caminhar em direção à saída da escola, o dia havia sido longo como todos os outros e naquele momento a garota só estava tornando-o ainda mais extenso.
— Espera! — Dias segurou o braço de John e o puxou, o rapaz se virou na direção dela surpreso pelo contato. — Podemos resolver isso ainda hoje, depois da escola.... Se você quiser, claro.
John sorriu e balançou a cabeça, ele não sabia por que a garota chamava tanto sua atenção. Havia nela uma gentileza desmedida irritante, a forma como ela tratava todos da mesma forma era para John algo que ele nunca tinha visto. Não existia no mundo alguém tão idiota.
— Seu endereço. — John falou antes de encarar o braço que a garota ainda segurava com força.
— Ah! — Beatrice sentiu seu rosto corar e soltou o braço do rapaz na sua frente, se sentindo envergonhada por soar tão desesperada. — Meu endereço, claro.
A garota tirou uma caneta do bolso e pediu permissão para escrever o endereço em um caderno que John levava. Ele balançou a cabeça concordando.
— Que horas? — Ele perguntou guardando o caderno na mochila.
— às 16:00 tá bom pra você? — Beatrice perguntou seriamente e John concordou balançando a cabeça antes de se virar e ir embora.
Beatrice finalmente soltou a respiração que nem sabia que estava prendendo e se encostou no armário, começando a pensar que fora as tatuagens em suas mãos e pescoço e a cicatriz em seu rosto, ela não sabia nada sobre aquele John Müller que não tinha nada a ver com a criança que ela conheceu um dia.
Ele não deve nem se lembrar de mim. — Ela pensou sem saber se sentia felicidade ou tristeza com isso, logo em seguida caminhou em direção ao ginásio para a última aula do dia.
[...]
Assim que saiu do ônibus que pegava todos os dias após a escola John caminhou rapidamente em direção ao posto de gasolina onde trabalhava. Entrou pela porta dos fundos dos funcionários e tirou da mochila a camisa e o boné vermelhos que teria que usar. Tirou a blusa de frio preta que usava e não fez questão de olhar o próprio corpo no espelho, não gostava de ver o resto das cicatrizes que as tatuagens não cobriam.
Colocou rapidamente a camisa vermelha e voltou a colocar o moletom por cima antes de colocar os cabelos para trás e ajeitar o boné.
— Você chegou cedo hoje Müller. — Um senhor barbudo e com o rosto vermelho falou assim que viu John sair pela porta dos funcionários e caminhar em direção às lojas de conveniência. Era Paulo, o dono do Posto.
John balançou a cabeça concordando e entrou na loja de conveniência para comprar o almoço do dia, não estava bem com fome, mas tinha que comer algo se fosse ficar ali até as 16:00 da tarde. Foi até a sessão de bebidas e lamentou não poder beber nada durante o serviço, pegou um suco de latinha e um pacote de cheetos.
Talvez ele desse levar algo para Beatrice mais tarde, não fazia ideia do que fazer naquela situação. Ele já tinha feito trabalhos em grupo antes, mas geralmente a parte dele era dar o dinheiro ou comprar o que fosse necessário, podia não ser a primeira vez fazendo um trabalho em dupla, mas era a primeira vez dele fazendo isso com Beatrice.
— Você parece nervoso John. — Bianca que era esposa de Paulo falou sorrindo enquanto passava o lanche de Müller no caixa. — Algo aconteceu hoje?
John sorriu, Bianca e Paulo sempre foram muito bons com ele.
— Não, mas vai acontecer.
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Ruído
RomanceJohnatan escuta uma voz em sua cabeça, maligna, um demônio. Beatrice tem medo de quem derruba seus livros todos os dias. Duas vidas cheias de ruído, como uma televisão fora do ar. Talvez juntos eles finalmente sintonizem.