Capítulo 8

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A estrada estava cheia de poeira e dentro de um carro cor de rosa com listras corria a nossa competidora ruiva, bem ao lado do primeiro lugar que pertencia à máquina do jogo. Atrás dela Johnatan pilotava um carro preto, se irritando com a habilidade de Beatrice de jogá-lo para fora da pista sempre que podia. Mal ele sabia que Beatrice sempre jogava videogame com seu pai quando o mesmo chegava do trabalho cedo.

— Eu não acredito que venceu! — John disse visivelmente fingindo irritação quando Beatrice terminou a corrida em segundo lugar e ele em terceiro.

— Eu tenho um talento sabe. — Beatrice disse convencida e encarou John, agora era ele que ia ter que fazer o que ela quisesse. — Não vou salvar meu pedido pra depois, preciso que vá comprar um sorvete pra mim. — Beatrice riu.

John riu. Ela só queria um sorvete.

Eles caminharam em direção ao quiosque e John comprou uma casquinha de chocolate pra ele e uma de morango para a garota que sorriu em resposta, aquele tinha sido o dia mais divertido em muitos meses. Ambos se sentaram perto das máquinas de dança e Beatrice não conseguia conter a felicidade, de repente o que havia acontecido mais cedo, era apenas um borrão.

— Obrigada. — Beatrice agradeceu, encarando os olhos de John, tinha sido bom não fazer o trabalho e fugir com ele para o Fliperama.

John não precisou ler os pensamentos dela para entender o que ela queria dizer com aquilo.

Ele apenas concordou balançando a cabeça.

[...]

Depois daquela tarde, John voltou para casa com algumas fichas sobrando no bolso de sua jaqueta, e Beatrice voltou com as mãos recheadas de ursos e chaveiros. John havia dado a desculpa de que a garota devia descansar o resto do dia, mas a verdade era que ele precisava desesperadamente deitar a cabeça no travesseiro. A dor de cabeça estava consumindo seu ânimo e a bebida que havia tomado estava começando a perder o efeito.

Quando abriu a porta de sua mansão desnecessariamente grande e empoeirada, Johnatan sentiu a vertigem inundar seus sentidos. Segurou alguns segundos no batente de madeira e entrou, observando seus olhos se tornarem drasticamente negros no espelho que havia na entrada.

Esse lugar maldito — John pensou. 

Você sabe o que quer. — A voz sussurrou melancolicamente em sua cabeça, uma pitada de raiva encheu os pulmões do moreno quando ele inspirou, buscando ar no ambiente. — ela está tão sozinha, indefesa!

A voz fez uma pausa e riu antes de continuar:

Ela é o novo objeto da sua obsessão?

— Não. — Johnatan grunhiu encarando seu reflexo no próprio espelho, os braços esticados e as mãos na parede, forçando-o a ficar no lugar em que estava. — Eu não vou machuca-la.

Não hoje. — A voz respondeu assustadora, arranhando cada parte do corpo do rapaz e se esforçando para sair, as velhas cicatrizes sendo cobertas pelo vermelho vivo das novas.

— Não nunca. — John retrucou ao pensamento sombrio e subiu para o próprio quarto. — Eu.... Você não vai encostar um dedo nela.

Ah, mas seria tão bom Johnatan. — A voz respondeu, o rapaz pôde sentir a repulsa forçando o sorvete que havia tomado pela sua garganta. — Ouvir os gemidos finos que ela soltaria. A pele quente debaixo da minha, da nossa pele. Os lábios vermelhos dela cheios de desespero, o pânico dela ao sufocar enquanto seu pequeno corpo tremeria em um orga-

— Cala a boca! — Johnatan gritou furiosamente, colocando as mãos sobre os próprios ouvidos, como se a voz viesse de fora e não de dentro dele. Desejava agora ser um cara normal, desejava não ter aquela parte amaldiçoada e maníaca dentro dele. — Cala a boca, por favor.... Por favor, pare. — John pediu mais uma vez ao ouvir a risada do monstro ruir e se deitou sobre a cama, encolhendo-se enquanto procurava as chaves das algemas pesadas — únicas que podiam conter seu corpo e seu demônio particular ali.

Assim que suas mãos estavam devidamente presas às correntes na parede, John se encolheu sobre a cama rasgada. Olhou as paredes arranhadas e os pôsteres antigos de bandas de rock que também tinham sido rasgados em dias de crise.

Sua cela, sua masmorra pessoal.

Residência da família Dias                     20:16

Há algumas ruas da mansão dos Müller estava Beatrice, esquentando mais uma vez a comida no micro-ondas — Dessa vez tirando o papel alumínio — quando seu pai passou como um furacão pela porta com uma pizza em mãos. O homem meio ruivo e meio moreno encarou a garota, depois os ursos e chaveiros no balcão e em seguida encarou a garota de novo.

O homem ajeitou os óculos no rosto antes de dar um sorriso e colocar a pizza sobre o balcão, ao lado dos ursos. Mas assim que deu uma boa olhada na filha, seu sorriso caiu tão rápido quanto havia iniciado. As marcas roxas e visíveis em seu pescoço o assustaram.

Havia acontecido algo diferente dessa vez.

— Beatrice — Marco se aproximou impacientemente e abraçou sua menina, pegando-a de surpresa. — Você quer falar sobre o que aconteceu? — Ele segurou um dos cabelos ruivos e colocou atrás da orelha da menina.

Beatrice sentiu seu peito doer, ela sentira tanta falta do pai dela naquela manhã. Mas a tarde havia apagado parcialmente os acontecimentos de sua cabeça, então ela apenas negou se aconchegando no cheiro familiar e acolhedor dos braços dele.

— Não Pai. — Ela disse baixinho antes de sair do abraço e olhar para a caixa de pizza, quase inalando um pedaço. — Eu já estou bem melhor, não foi nada.

Marco desistiu de perguntar. A garota era teimosa da mesma medida que era tímida, Vitória era muito melhor falando com ela do que ele. Mas sua esposa estava em uma expedição na américa do norte procurando por uma espécie de planta qual ele não sabia pronunciar o nome.

Sentiu-se meio fracassado quando eles se sentaram no sofá e ligaram a TV. Já era tempo de eles aprenderem juntos a lidar melhor com aqueles problemas.

— Você quer que eu vá na escola falar com a diretora?

Beatrice entrou em pânico instantaneamente e ela virou-se em direção ao pai, acreditando que o velho havia finalmente enlouquecido. Se ele fosse lá, aí é que as coisas seriam piores não apenas pra ela, mas para todas as outras garotas que Julia considerava "aberrações".

— Não, não precisa mesmo.

E Marco não perguntou mais nada.

RuídoOnde histórias criam vida. Descubra agora