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Luke


  Ao ouvir os leves passos da morena, finalmente direcionei o rosto para o local onde ela se encontrava a caminhar calmamente. Antes de ela poder reconhecer-me, já havia observado a sua face bronzeada. Cabelo tonalizado de diferentes castanhos, maioritariamente claros, olhos verdes, lábios carnudos e um olhar intenso, mas doce também. A sua figura era-me estranhamente familiar.

  Desviei o rosto antes que a adolescente reparasse que a observava. Permitindo focar-me simplesmente nos delicados passos da rapariga e no suave som das folhas e dos ramos das árvores a dançarem com o vento num dia chuvoso e nublado, tão cinzento e privado de cores alegres, quentes. Apenas um céu dominado por cinza e azul que provocava súbitos desejos por café quente, rock alternativo – assim como indie – e uma rápida cedência à melancolia.

  O som provocado pela rapariga desconhecida tornava-se cada vez mais longínquo. Passado algum tempo, quando já a mesma desaparecera por totalidade do meu campo de visão e os meus ouvidos já não tinham capacidade para escutar a sua passada rítmica, agora tão distante, levantei-me da relva. Sacudi rapidamente as minhas calças e guardei o meu telemóvel no bolso direito traseiro de um dos muitos pares que possuía de típicas calças pretas justas e rasgadas nos joelhos das quais usava e abusava.

  Dirigi-me até ao meu veículo de tom cinzento escuro, iniciando o mesmo. O agradável ruído do motor da cara mota a trabalhar era como uma doce melodia reproduzida por uma orquestra para os ouvidos de um grande apreciador de música clássica – uma comparação algo estranha, mas não mais que verdadeira, proveniente da minha parte. Coloquei o capacete e iniciei a viagem até minha casa, desejando que não se iniciasse uma tempestade.


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  O meu desejo não fora concretizado, de todo. A imponente chuva encharcava-me por completo, as pequenas gotículas de água eram libertadas das negras e pesadas nuvens a uma imensa velocidade, tornando-se impossível escapar a uma futura constipação severa. Suspirei brevemente, focando-me na condução da minha adorada mota de escuras tonalidades enquanto observava a forte tempestade desenrolar-se perante mim. O som do vento e da chuva, uma perfeita sinfonia, dava-me vida. Sentia-me refugiado, contente até. 

  Quando finalmente cheguei a casa, encontrava-me totalmente ensopado pela chuva abundante, tremendo e totalmente arrepiado devido às baixas temperaturas, enquanto escorriam dos meus lábios, cabelos e casaco de cabedal preto incontáveis gotas de água.

  Sem proferir uma única palavra, fechei a pesada porta de madeira clara da minha habitação e caminhei calmamente até ao meu quarto, entrando no mesmo e conseguindo ouvir um suave "Olá Luke" poucos instantes antes de fechar também a porta do meu quarto. Observando-me nos grandes espelhos do meu comprido e alto roupeiro, passei os dedos pelo meu cabelo numa fracassada tentativa de o melhorar, decidindo então de seguida despir-me por completo, atirando a roupa encharcada para cima do sofá preto do meu quarto, e vestindo um par de boxers cinzentos lavados. Desentalei os lençóis de um dos lados da minha grande cama, entrando de seguida nesta e ajustando-me debaixo dos mesmos, encontrando finalmente uma boa posição para adormecer sobre o confortável colchão.

  Observando as vidraças que ocupavam uma parede inteira do meu quarto e davam acesso a uma ampla varanda, relaxei de imediato ao som da chuva a bater nas mesmas.

  Soltei, novamente, um suspiro, habituado já a esta rotina. A abstinência do meu pai desde os meus ternos nove anos de idade já não me afetava, assim como o silêncio e ausência da minha mãe maior parte do tempo enquanto fazia algumas viagens de trabalho aqui e acolá.

  Sentia-me neutro quanto a tudo. Não acredito que exista outra palavra que defina melhor este meu estado senão essa mesmo, a neutralidade. Não me sentia satisfeito com a minha vida, porém não poderia afirmar que me sentia triste, de todo. Sentia-me seguro na minha zona de conforto, com uma rotina que diariamente era alterada, nem que o mais ligeiramente possível, e uma guitarra à qual dedicava grande parte do meu tempo e paixão, apreciando melodias relaxantes.

  Torna-se tudo um hábito, algo a que não conseguimos escapar. Um círculo, sem início ou fim, sem nada. E agora só queria dormir, descansar de uma vez por todas e aproveitar o confortável som da chuva e sossego presente no meu quarto de tonalidades cinza.

  Fechei os olhos e soltei outro suspiro, desta vez mais longo. Pequenas memórias deste dia enfadonho passaram na minha mente como pequenos vídeos. Porém, em último, algo interessante apareceu – o rosto da rapariga morena, os seus olhos doces e os seus lábios carnudos. Talvez viesse a vê-la mais vezes, quando iniciasse o décimo primeiro ano na Escola Secundária que frequentava há dois anos. Talvez esta tivesse sido a primeira e última vez que cruzáramos a vida do outro. Independentemente de qualquer destas opções, iria esperar para ver qual seria a correta.  

Falling In Love // lrh [em edição]Onde histórias criam vida. Descubra agora