Família

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Sou a filha caçula e única do casamento dos meus pais. Ambos possuem um filho fora do casamento. Tem o John, 27 anos, filho do meu pai. O Gabe, 23 anos, filho da minha mãe. Meus irmãos não moram conosco. Minha família é a típica família perfeita, família tradicional ou qualquer outra variação que defina uma família que vive de aparências. Para quem vê de fora aqui é sempre tudo muito perfeito. Não é assim.

Alguns anos atrás, minha mãe sofreu um acidente de carro que a invalidou como cirurgiã. Fazer cirurgia sempre foi a vida dela e como não podia mais, se tornou ranzinza, fechada e uma péssima mãe. Começou a ignorar a mim e a meu pai. Teve que ser controlada a base de medicação, pois passava a maior parte do tempo surtando. Era como se mesmo acordada, tivesse pesadelos com o acidente.

Meu pai servia ao exército e perdeu uma perna. Sempre foi autoritário, mas isso não o impedia de ser um bom pai. Apesar dele se achar um inválido acho a perna dele,  supermaneira. Não é todo mundo que tem um pai meio robô, não é?! É uma pena ele não pensar assim.

Quanto aos meus irmãos, nunca me dei bem com eles. São embustes extremamente machistas. Eles costumam passar as férias aqui, e é sempre um inferno. Sempre tentam me controlar, e a menos que seja na cama, ninguém me controla. Nem meus pais.

A única pessoa que me entende é a minha prima, Jasmine, e já faz um bom tempo que não nos falamos. Perdemos contato, infelizmente. Eramos melhores amigas. Ela é, sem dúvidas, a pessoa que eu mais amo nesse mundo e a pessoa que meus pais amam mais do que a mim mesmo. Não a culpo, ela é mesmo maravilhosa. Merece ser amada.

A minha relação com a minha família não é ótima, como já perceberam. Eu me sinto melhor quando estou longe deles, e ainda sinto uma falta absurda da minha avó, mas estou tentando não viver no passado, como minha psicóloga recomendou.

Recentemente nos reunimos em um almoço que só serviu para me lembrar do quando sou odiada, e eu sinto saudade da época que eles simplesmente ignoravam a minha presença.

Os homens da minha família em sua maioria, são machistas nojentos e desde o ocorrido com aquele que se dizia meu avô, eu sou taxada como “a vagabunda”. Eu estava tendo um dia ruim, e eu sempre ignorava os insultos, mas naquele dia resolvi revidar e terminou com eu sendo expulsa de casa aos 17 anos.

Eu não tinha para aonde ir, então fiquei pulando de casa em casa por uns dias até que decidi ir morar no ginásio da escola. Eu só precisava acordar antes de todo mundo, tomar um banho e então andar por aí e me esconder antes de o colégio ser trancado. Deu muito certo, até que o Sr. McCrow, o zelador descobriu e para não me denunciar, pediu que eu me mudasse. Eu me mudei, mas não imediatamente.

Estava no fim do ensino médio, no próximo ano eu ingressaria na faculdade e precisava de um emprego, vi em um jornal que uma ‘boate’ estava precisando de dançarinas e marquei uma entrevista. Na tarde do dia seguinte, quando cheguei ao local da entrevista, me deparei com um prédio com cerca de quatro andares, todo decorado em preto e vermelho e com o enunciado e em vermelho neon, bem grande entre as janelas pouco acima do meio do edifico, a palavra DREAMIN' e bem abaixo STRIP-CLUB.

— Dreamin' Strip-club — balbuciei. — Okay, faremos isso — disse para mim mesma e ajeitei minha roupa antes de entrar pela porta transparente coberta por insulfilme preto fosco.

O prédio era revestido em carvalho-branco com detalhes vermelhos que deixavam o ambiente totalmente confortável. Subi pelo elevador pequeno e aconchegante até o quarto andar e procurei pela sala de entrevistas como fui orientada. Bati na porta de madeira vermelha e preta que contrastava com o mármore branco manchado e reluzente das paredes. Uma mulher negra de cabelos curtos e sorriso simpático veio me atender, pediu que eu entrasse e apontou para a cadeira que estava em frente à mesa (que definir ser dela). Me sentei confortavelmente enquanto ela fechava a porta de correr do pequeno e organizado escritório e dava a volta na mesa de vidro e madeira. Ela se sentou.

— Boa tarde, hum!?

— Angeline. Angel, me chamo Angel — sorri.

Eu não estava nervosa, nem nada, mas eu não fazia ideia de como agir em uma entrevista de emprego, afinal, e nunca precisei de um. Também nunca supus que eu fosse ser expulsa de casa, a vida dá muitas voltas, afinal.

— Okay, Angel. Sou, Irene, sócia majoritária e recrutadora de dançarinas aqui na Dreamin'. Quantos anos você tem?

— Quase 18 — respondi calmamente.

— Então, Angel. Nós só contratamos garotas acima de vinte e um anos. É proibido por lei contratar menores de idade para esse tipo de serviço.

— Irene, né? — pergunte e ela assentiu. — Olha irene, eu sei que você não tem nada a ver com a minha vida, mas moro num vestiário abandonado da minha escola porque meus malditos pais me expulsaram de casa, eu não tenho nenhuma noção do que fazer da vida, mas sei que quero ser oncologista e eu não conseguirei se eu não juntar dinheiro para a faculdade, então, por favor, nem que seja para esfregar o chão por cinco dólares a hora, me contrata! 

— Angel, seu eu colocar aqui dentro cada pessoa que me conta uma história triste, a minha empresa falirá. Sinto muito.

— Tudo bem — bufei me levantando. — Desculpa tomar seu tempo — peguei minha bolsa e andei em direção a porta abrindo-a para sair.

— Espere! — disse Irene em tom sereno — Se precisa tanto assim, estamos precisando de alguém para limpar as salas particulares depois das sessões e a ‘boate’ no fim do expediente. Não é muita bagunça e pagamos cento e oitenta dólares por semana, se te ajudar você começa amanhã, às seis da tarde.

— Ajuda! — respondi sorrindo.  E como ajuda. — Bom, Dona Irene… nos vemos amanhã às seis.

Naquele dia eu estava ganhando uma segunda mãe. Irene me deu um emprego e meses depois deixou que eu ficasse no alojamento das meninas mesmo que eu não fosse uma das dançarinas. Ela foi durante muito tempo o único exemplo e figura feminina presente que eu tive. 

Minha família é ferrada, eu sei. Sinto falta da união de quando minha avó era viva. Dos jantares em família, dos almoços de domingo, das festas de aniversário que unia todo mundo, do amor dado e recebido por todos. Hoje tudo que sobrou foi o caos, decepção e desamor. Minha casa é meu lugar menos preferido, e mesmo assim, é onde eu mais queria estar.

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