É muito difícil sair de um orfanato depois que se entra nele. A partir do momento em que você é deixado na porta, as chances de ir embora algum dia já são pequenas. Mas, à medida que o tempo passa, elas vão se tornando cada vez menores.
É exatamente por isso que me espantei quando Dona Lurdes, a diretora do orfanato Raio de Esperança, me chamou em sua sala para conversar sobre uma possível adoção. Pessoas querem adotar bebês fofinhos que ainda ''não foram contaminados pela educação ruim dos orfanatos'', não uma adolescente qualquer a apenas um ano da maioridade.
— Ela está na fila de espera há pouco tempo — diz a diretora. — Disse que queria uma recém-nascida, mas que se encantou quando te viu. Ela virá te ver amanhã. Por favor, não estrague tudo.
Lurdes sabe que agir feito um gângster é uma estratégia muito utilizada entre os órfãos com mais de 15 anos. Ninguém quer se juntar a uma família tão próximo de ir embora por si só — dá muito trabalho entrar no processo de adoção, se adaptar a uma nova vida, se apega por uma nova família para depois ir embora de novo. Por isso eles costumam fazer parecer que não são bons para pertencer a uma família.
Mas eu não tenho intenção de fazer isso. Para mim, tanto faz passar um ano no orfanato ou em uma casa, de qualquer jeito vou seguir com minha vida no final. Não que eu ache que essa senhora vá me adotar de verdade. Ou qualquer outra pessoa. Perdi essa esperança depois do meu nono aniversário.
— Pode deixar, Lurdes. Vou fazer exatamente como você quer: me fingir de doente e desnutrida para ela ter dó de mim. — falo, me levantando e saindo do velho escritório.
— Valentina! — Lurdes tenta me repreender, mas já estou longe o suficiente para escapar de outro sermão.
Minha risada ecoa no corredor desmobiliado enquanto caminho por ele. Poucos passos depois, dou de cara com Daniel, que já está me esperando para irmos embora.
— O que você falou dessa vez? — pergunta ele, rindo. Como sempre, suas bochechas recheadas de sardas se pronunciam com o sorriso.
— Que nós temos que parecer coitadinhos para sermos adotados.
— Você não leva essa história de ser órfã muito a sério. Devo me preocupar?
— Precisa não — digo, puxando sua mão e começando a correr. — Vamos!
Daniel é meu colega de trabalho. Na verdade, bem mais do que isso; meu melhor amigo, por assim dizer. Nos conhecemos no restaurante de seu pai, onde me candidatei para a vaga de garçonete, mais ou menos um ano atrás. Seria mentira dizer que ele não ajudou nada em minha contratação.
Alguém sempre tem que vir para me buscar e levar ao trabalho. É preciso provar que eu realmente estou indo trabalhar e não saindo do orfanato para vagabundear por aí.
— Estamos atrasados. Meu pai não vai gostar nada disso.
Para minha felicidade e dos meus ouvidos, hoje foi Daniel quem se ofereceu para essa tarefa, atrasando alguns minutos a bronca do chefe.
— Eu sei como lidar com ele, mas temos que ir logo.
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Nova Família, Nova Vida
Teen FictionO que você faria se de repente sua vida virasse de cabeça para baixo? Se tivesse que mudar de casa, ganhasse uma família nova e passasse a viver em um mundo totalmente diferente do dia para a noite? ...