Capítulo XXIV

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Eu sempre achei que meu aniversário fosse no final de novembro. Eu não podia estar mais enganada.

Como eu fui deixada na porta do orfanato sem nenhum tipo de documento esclarecendo a data, usaram o dia em que me encontraram como meu aniversário, como fazem com todos os órfãos.

Então, na verdade, eu tenho uns seis meses a mais do que achava. Mais outra informação minha que estava errada. Acabei elencando mentalmente meus equívocos.

A data do meu nascimento. O meu nome. Meu país de origem...

E o pior deles. Achar que eu era normal.

Algo que eu nunca fui, sou ou serei na vida. Uma pessoa normal. Um simples ser humano.

Nada em mim é natural. A minha cor, meus cabelos, meus olhos, meu tamanho.

Eles não deixaram que a magia da vida acontecesse. As combinações genéticas foram alteradas. Manipularam tudo a seu bel prazer. Não ficaria surpresa se descobrisse que eles ditaram meus gostos também.

Percebi pouco depois o quanto estava sendo estúpida por culpar pessoas que estavam apenas colocando em prática os planos de algum lunático. Eu não sei quem ele é, e nem pretendo saber. Ao menos se eu quiser manter minha sanidade mental.

Eu pareço dramática? Claro! Mas, poxa! Eu não posso nem sentir fome em paz!

Olho para a bandeja em cima da mesinha me metal ao meu lado e suspiro. Percebo que o meu corpo precisa de alimento, mas sinto que conseguiria sobreviver mesmo se não comesse por dias inteiros.

E o que mais me irrita é perceber que essa é uma sensação que nunca tive antes. Nunca passei muito tempo sem comer. Sempre tive comida na mesa. Apesar do orfanato não ser um lugar rico e majestoso, nunca passei fome.

Parando de remoer minha sina, aproximo a mesa da cama. Se eles se deram ao trabalho de me trazer comida, não posso fazer tal desfeita.

A sopa tem um sabor ótimo, apesar de já estar fria. Condição devida ao tempo que demorei para começar a comer.

Um homem em roupa de garçom veio trazer a bandeja quase meia hora atrás. Ele entrou, deixou-a sobre a mesa e saiu, ignorando meu estado vegetativo.

Talvez a cena fosse um pouco alarmante: uma adolescente sentada na beirada da cama, com os ombros caídos e os olhos focando o horizonte. Admito que devo realmente ter me parecido com um zumbi, mas eu não tinha muita força para fazer outra coisa além de pensar.

A história que Carmen contou continuou a voltar em meus pensamentos e parecia não desistir. Igual está fazendo nesse momento.

Quando me dou conta, estou colocando colheres de ar dentro da boca. Estive tão entretida nos pensamentos que não percebi quando a sopa acabou.

Não sei porque empurro a pobre mesinha com o braço. As rodinhas a fazem deslizar levemente para o lado, com um rangido baixo.

Por um momento achei que o gesto diminuiria minha tensão, e meio que funcionou. Me sinto tão idiota com o gesto que desfoco meus pensamentos por um minuto.

O suspiro que solto acaba em um par de risadas fracas. Um aniversário de 18 em grande estilo!

Estou longe de qualquer pessoa que conheço e me importo, em outro país, agredindo móveis inocentes. Seria patético se não fosse tão hilário.

Decidida a acabar com a cena digna de pena, me convenço a dormir, esperando que algumas horas de descanso acabem com essa agonia que sinto.

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