Capítulo IV

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Eu queria que essa semana durasse mais tempo. Meu último dia já chegou. Segunda-feira é o dia da mudança. Por que será que não consigo parar de pensar nisso? A única distração que eu tinha era o restaurante. Agora já não tenho mais. Quando o sábado chegou, iniciou-se o fim de semana e minha aflição.

Estou deitada olhando para o nada desde que acordei. Não tive coragem de encarar o dia até agora. Sei que ficar vegetando em uma cama não vai me ajudar, mas o que posso fazer? Se eu levantar, não vou parar de pensar na adoção. E se eu levantar, todos vão querer conversar sobre tal. Nenhuma das alternativas parece convidativa para mim.

Ouço a porta se abrindo e, logo em seguida, a voz de Helena.

— Vale? Bem que a diretora me disse. Só que não quis acreditar. A Madrugadora ainda na cama às onze horas da manhã.

— Bom dia para você também, Helena. — Me sento na cama, para poder vê-la.

— Lurdes pediu para te chamar. Disse que é algo importante. — Ela diz, enquanto abre o baú de brinquedos ao lado do armário.

— Obrigada.

— Claro. — Resmunga, sem me olhar.

— O que você está procurando, Helena?

— Nada não. Pode ir. Eu me viro. — Ela desiste da caixa laranja e começa a revistar o armário.

— Tudo bem. Até mais.

Bato na porta do escritório de Lurdes esperando a permissão para entrar, que vem logo em seguida. Lurdes está lendo algo em seu computador quando abro a porta. Ela levanta o rosto e empurra os óculos redondos mais para cima.

— Bom dia, Valentina.

— Bom dia, diretora. Queria falar comigo?

— Sim. Sente-se, por favor. — Obedeço. — Te chamei para falar da adoção.

— Ah. — Lurdes suspira ao ouvir minha exclamação de frustração.

— Acredito que não deve ser um assunto fácil, mas é preciso discuti-lo. — Assinto. — Você não parece feliz. Está preocupada em se mudar para longe? Não precisa. Ainda vai morar aqui na cidade. Ou é outra coisa? Ainda dá tempo de desistir.

— Não. Não é isso. É... Eu não sei direito o que é, mas sei que quero ir. Só esperava que fosse mais tarde.

— Entendo. Cada um tem seu próprio modo de reagir a essa situação. Claro que quanto mais velho é o órfão, mais difícil é sua adaptação. Crianças são mais suscetíveis a mudanças.

— Claro.

— Eu só vou te deixar sair daqui quando eu tiver 100% de certeza que é o que você quer.

— É o que eu quero. — Minha voz desanimada não ajuda muito. Então respiro fundo e sorrio o melhor que consigo. — É o que eu quero. Já está na hora de sair para o mundo, não é?

— Esse é o espírito. — Seus discursos encorajadores não surtem tanto efeito como ela deseja, mas é bom deixá-la pensar que sim. — Acredito que já está tudo pronto para sua partida, certo?

— É... claro. — Meu sorriso amarelo não a convence.

— Eu não acredito, Valentina!

— Eu estive ocupada. Não deu tempo. — Dou de ombros.

— Você é impossível.

— Não é tão grave, Lurdes! Não tenho tanta coisa assim. Posso arrumar tudo amanhã.

— Pode, mas não vai. Vai fazer isso agora. E depressa.

— Sim, senhora. — Faço uma contingência falsa, fazendo-a me olhar com raiva. Me viro e vou em direção à porta, revirando os olhos.

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