Às vezes, não faço ideia de quem sou.
Como saberia, quando tudo ao meu arredor é tão diferente de mim? Quando todos parecem ter a perfeita concepção de quem são ou deveriam ser, enquanto eu fico preso em uma espiral de expectativas, sons e sentimentos que não entendo?
Sei que há algo dentro de mim.
Sei que é especial.
Mas queria conseguir... entender.
A questão deixou de ser o quanto de vocabulário eu poderia possuir há muito tempo. Os tutores da Gentleman's Patch há muito me ensinaram o necessário para ser o cavalheiro que dizem que estou a me tornar, e os melhores livros me foram dados.
Ou seria mais correto dizer: as palavras me foram dadas.
Quando se é alguém como eu, chego a pensar, se é que existem outros infelizes na minha condição, as palavras não saem como deveriam, sequer expressam o esperado.
Por isso, encontro conforto nesses parágrafos. Nessas estrofes. Nessas histórias vividas por pessoas feitas de tinta e os sonhos de uma mente distante.
Eles me ajudam a entender o que eu mesmo não entendo a meu respeito.
Faz sentido?
Talvez não o faça.
Mas nem tudo precisa fazer sentido. O que importa é que, através das frases ali escritas, entre lombadas encadernadas de couro e páginas amareladas que tem cheiro de lar, consigo minimamente conviver com os bedéis e os tutores.
Consigo ser... minimamente normal.
Mas eu ainda poderia ser descrito dessa forma se fosse pego, de joelhos, ofegante, olhando a todo instante sobre o ombro, guardando cartas roubadas?
Tento ser o mais rápido que posso no meu quarto, numa das torres distantes do colégio. Se espero um colega de quarta entrar? Seria tolice de minha parte, pois não tenho esperanças de ter alguém que pudesse chamar de amigo. Não depois do último incidente...
Então, por que estou nervoso?
Talvez porque as cartas não sejam minhas. Não sejam escritas para mim.
Mas elas me descreviam de uma forma intensa e deveras intrigante. Era uma visão romântica, apaixonada e corajosa que eu gostaria de ter a meu respeito.
Queria ser a pessoa a quem alguém escrevia.
Queria ser alguém que as pessoas se interessassem pela história.
Mas preciso guardar essas cartas imediatamente no pequeno baú que tenho atrás da cama, onde a luz que entra enviesada pela janela não consegue alcançar.
Afinal...
Às vezes, sei exatamente quem sou.
Levi Proofwell.
E são nesses momentos que desejaria ser qualquer outra pessoa.
Mas, no fundo, como um ávido leitor, sei que é tolice querer enfrentar qualquer outro destino senão aquele que já me aguarda.
Cada um enfrenta a própria história.
E a minha vai seguindo... mesmo que eu não me sinta apto para ser o protagonista.
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As palavras não ditas (Degustação)
Ficção AdolescenteELEITA MELHOR HISTÓRIA DE 2020 PELOS EMBAIXADORESBR!!! Em uma época que o espectro autista ainda não é conhecido, Levi Proofwell não consegue deixar de sentir-se diferente. Ele sabe que sua percepção sobre o mundo, vista do topo do telhado de uma r...