Capítulo XIII - Instruções

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Descemos a escadaria do grande salão, passamos pela parede de correspondências, e eu não consigo evitar pensar que fui injusto em contestar a classe em que fui colocado. Esperava ir para o Lobo de Ouro, mas ainda estava acima do Cervo de Bronze, a classe que Jonathan Barclay estava, e da qual já tenho um broche, escondido entre as cartas que não me pertencem.

Faço o que posso para não me importar com o fato de que mais dois nomes desapareceram e, agora, o sr. Goyle coloca a inscrição de Honorius Shortcutt. O velho e seu nariz adunco tornam-se ainda mais curvados quando um sorriso horrível aparece ao nos cumprimentar.

— Bem-vindo à sua nova casa, sr. Shortcutt.

Depois, volta sua atenção ao que fazia, e não a como os passos do garoto ao meu lado tornaram-se tão pesados que até mesmo ficou para trás.

Penso em mudar o ritmo, mas ele tem de me acompanhar, assim como o diretor o instruiu, tal que logo nos deparamos com a entrada da The Gentleman's Patch.

Mas me seguir parece ser a última coisa que Honorius gostaria de fazer.

Talvez o fosse.

Não sei. Afinal, o tempo que estou usando para ficar quieto entre a privacidade de minhas conjecturas deveria ser mais bem aproveitado para que nos conhecêssemos e, é claro, isso é algo que eu ainda não me sinto pronto.

O aperto no peito continua, mas vem de um arrepio que sobe da minha coluna e se espalha pelos ossos. Ansioso, decido que ele decide quando quer estabelecer um diálogo.

Caminhar por entre os campos de grama bem aparada, observando cada tijolo da construção até seu telhado de ardósia, as trepadeiras, a estufa interna e o solário sempre me foi uma espécie de bálsamo.

Isso me força a focar os sentidos em um único ponto, estudando os elementos um de cada vez.

Não à toa, vez ou outra, meus sapatos sujam-se com lama, mas o preço de tê-los de limpar é muito melhor do que o de quando, uma vez, gritei no meio do salão comunal, as mãos pressionando a cabeça pedindo para que as vozes parassem de falar uma sobre a outra sem que eu as entendesse.

Fiquei recluso por três dias e tive de escrever um relatório sobre boas maneiras e a arte de nunca gritar, para ser ouvido. Grande ironia.

Ainda assim, não foi esse incidente que causou minha reclusão total...

Que me fez ser esquecido — ou conhecido somente como "o acidente da ala sul", conhecimento adquirido em cortesia de Jonathan Barclay, que já parece ter feito por mim muito mais do que pude fazer por ele.

Mas a vida é como é, e eu só posso... seguir com ela.

Por algum motivo, eu sinto tudo muito mais forte. Tudo mais... tátil, por assim dizer, embora pareça redundante até mesmo usar um dos cinco sentidos para explicar o que sinto. Uma verdade incontestável se faz: sei que desde pequeno os sons parecem mais fortes, as cores mais vivas e firmes e os toques muito mais sensíveis, como se o leve esbarrar dos dedos pudesse abrir a minha alma.

E a ideia de isso acontecer com um completo estranho é assustadora.

Isso justifica, ainda que covardemente, o verdadeiro motivo de eu não me importar de que Honorius caminhasse atrás de mim, com seus pés arrastando...

Inferno!

— Poderia caminhar direito? — peço, o som fazendo meus cílios se agitarem e a foz saindo o mais firme que pode.

Cada músculo meu se contrai, esperando por uma reposta que não vem.

Vamos lá, Levi...tente...ao menos tente...

As palavras não ditas (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora