Capítulo XV - Um dia como qualquer outro

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A The Gentleman's Patch poderia ser descrita como um internato que se orgulhava por sua imponência, com seus hectares verdes, um lago aqui e outro ali, onde às vezes eu gostava de sentar para ler, mas as construções vistas de fora, apesar de sua opulência, tornavam-se ainda maiores por dentro, onde as vinhas que subiam pelas paredes externas davam lugar a escadarias longas o bastante para cansar os atrasados, que teriam de correr de dois em dois degraus, exatamente como eu fazia, na manhã seguinte, tomando cuidado para não tropeçar e mais cuidado ainda para que o monitor do prédio principal, o sr. Golwell, não me encontrasse; se o fizesse, isso implicaria em uma advertência.

Não que eu tivesse medo de um papel rabiscado por uma letra penosa, mas sim porque não entendia o motivo de me darem aquilo.

Afinal, qual o sentido? Se eu consegui chegar a tempo para a aula, qual o sentido de ser repreendido apenas por correr?

Mas acho que eles preferem que isso seja afeito apenas nas pistas de corrida no ginásio do alojamento externo. Tanto faz. Eu não gosto de esportes e isso parece pesar em meu peito, nesse momento, enquanto atravesso um dos largos corredores, onde as pinturas dos fundadores me olham com expressões mortas, até que alcanço a porta cento e vinte e dois e dou duas batidas nela.

Não corri apenas por um atraso. A euforia de uma primeira manhã genuinamente parte de uma classe, no internato, torna o sangue em minhas veias um combustível inflamável que vibra a cada batida do coração.

Tum-tum. Tum-tum. Tum-tum.

Ouço-o em meus ouvidos enquanto a mente se pergunta:

Como reagirão ao me ver?

Como eu reagirei ao vê-los?

Por um momento, acho que a porta não vai se abrir, mas então a figura do sr. Westons se revela diante de mim, um terno cor de poeira cobrindo seus ombros, as pernas no mesmo tom, com sapatos beges de bico quadrado, um cinto de couro que mantinha o colete verde-musgo dentro das calças.

— Está três minutos atrasado, sr. Proofwell.

Não olho para ele, como de costume, mas sei que está segurando seu velho relógio, que pende do bolso perto de sua lapela, e o professor entende o sentimento confuso que passa em meus olhos.

Não é raiva.

Está mais para... hesitação, por assim dizer, já que eu sabia que chegar atrasado implicava em ter de retornar ao seu quarto e fazer uma dissertação de no mínimo dez páginas sobre como um cavalheiro deve ser pontual em seus compromissos para com a sociedade.

E isso atrasaria — e mancharia — ainda mais a percepção dos outros rapazes ao meu respeito. Eu tenho de ser perfeito!

Para tentar acalmar os nervos, considero que, ao menos, quando cheguei adiantado, da outra vez, encontrei-me livre de uma dissertação como aquela...

— O senhor quer que eu vá para meu dormitório? — pergunto, porque não me resta muito mais o que fazer; minhas mãos atrás do corpo, a nuca com pingos de suor que escorrem pelas costas, alcançando o meio da coluna e me fazendo cócegas até sumirem no cós da calça.

— Perdoarei desta vez.

Ouvir isso ilumina meu rosto. Ele dá passagem para mim e eu entro.

— Mas apenas porque sua última dissertação sobre a obra da senhorita Jane Eyre me surpreendeu — ressalta e a porta se fecha atrás de mim.

Sei bem o que eu esperava.

Sei bem o quanto sonhei, na noite passada, com esse primeiro dia. O dia especial que Dickens falou a respeito, do qual eu nunca esqueceria e não conseguiria me imaginar vivendo sem que ele tivesse acontecido.

As palavras não ditas (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora