Capítulo XIV - A sorte (ou a falta dela) de um Imperador

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*Atenção: este capítulo pode conter gatilhos.

Nunca tive percepção maior a respeito do ambiente em que eu sempre estive até que houvesse algo novo a se colocar em perspectiva. Sabia que meus aposentos eram confortáveis o bastante para comportar até quatro alunos — ao menos os que tivessem um tamanho próximo do meu, que não era muito — mas como sempre estive sozinho, naquela vastidão coberta por um tapete azulado, nunca valorizei as paredes altas sendo barradas pelo teto abobadado, uma única cama disposta na extremidade leste que, agora, encontrava-se de frente para uma segunda, perfeitamente arrumada, com um par de travesseiros e um conjunto de uniformes.

Tampouco pensei que, um dia, as veria como insuficientemente próximas.

Honorius Logan Shortcutt caminha ali como se pisasse em brasa, e não deixa um único detalhe escapar a seus olhos tão julgadores. Que posição ele ocuparia na sociedade, para se colocar em um pedestal como aquele?

Seus dedos tocam a maciez do linho do tecido que cobre sua cama e meu coração se aperta em aspereza.

Maldição! Ele realmente dormirá aqui...

Eu deveria estar feliz e, oh, céus, não espero que ele tome qualquer displicência em minhas expressões como uma afronta. Eu pedi para estar nessa posição. Mas acho que não esperava que fosse atendido tão rapidamente.

Nenhuma estrela cadente passou, na noite passada...

O rosto dele se volta ao meu, impedindo-me de divagar por demais, apressando meus passos para criar o mínimo de normalidade. O que deveria dizer? Deveria dizer algo. Ou não? Talvez. Engajar uma conversa...

Parece uma nova obrigação.

Um novo passo.

Mas o que eu poderia...

É ao dedilhar os livros em minha cabeceira, todos perfeitamente organizados e protegidos, que tomo em luz uma curiosidade que poderia começar uma conversa.

— Sabia que existiu um Imperador com o seu nome? — digo sem olhá-lo, mas em um tom aceitavelmente alto para que me ouça.

— Como é?

Minha nuca é vítima de um arrepio e meus olhos se apertam. Cravo as unhas nas palmas e respiro fundo. Não deveria ser tão difícil...

— Um Imperador. Com seu nome.

— Isso eu ouvi.

— Então por que perguntou? — deixo escapar com um dar de ombros ao reabrir os olhos e encarar meu travesseiro.

Estou praticamente de costas a ele.

— Porque não acho que seja verdade.

Tomo coragem para, ao menos, fitá-lo de canto de olho, por sobre o ombro. Honorius sentou-se sobre sua cama e o som do peso de seu corpo abafou-se sobre o lençol.

— E haveria razão para que eu mentisse?

Uma risada que parece um latido escapa pelo canto de seus lábios. Aquilo me estremece, porque não sei o que significa. Ele sorri, ainda que de forma sutil, mas, sem dúvida alguma, seu corpo não parece estar satisfeito com a pergunta.

— Todos mentem.

— Eu não minto.

— Isso, por si só, já é uma mentira.

— Sou incapaz de mentir, porque não vejo utilidade alguma em propagar a dor de uma verdade. — Resoluto, ergo o rosto e decido me sentar, também.

Em minha cama, é claro.

As palavras não ditas (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora