Capítulo VII - Um rapaz chamado Jonathan Barclay

2.6K 395 360
                                    


Seria sandice que eu realmente acreditasse no que meu corpo gritava para acreditar: o ar pareceu se tornar mais frio, como a sensação de sair de um banho quente e sentir a pele fumegar. Nunca fui quente para que isso se repetisse em um ambiente como aquele, então... só poderia ser a lamparina.

Sinto seu calor me envolver.

E a voz soa novamente atrás de mim.

— É você quem eu tenho de encontrar hoje?

Com a luz amarelada, é como se uma fina camada de pó de ouro revestisse os detalhes nos quais a escuridão se varreu momentaneamente para longe: o balaústre da escadaria, o corrimão, os primeiros degraus, alguns fios do tapete que forrava o piso e também a fronde de um vaso onde tulipas haviam sido colocadas, em cima de uma mesa redonda; os botões ainda estão por abrir.

Ainda assim, minha mente não consegue elaborar uma imagem... um rosto... da voz que está atrás de mim.

Considerar que seria Barnaby me respondendo seria o limiar da loucura, pois apesar de eu o ter chamado de fantasma, e já ter conhecimento a respeito de folhetins sangrentos vendidos pela Inglaterra, sem qualquer bom gosto ou apreço pela gentileza, não acreditaria nisso.

Frio e imóvel, torço para desaparecer, mas isso também seria irreal.

A realidade é mais simples do que eu apreciaria, afinal, fiz o que não devia, e alguém se encontrou comigo. Alguém estava me vendo, me redigia a palavra, e tudo que eu consigo fazer é fingir que não existo.

É estranha a dor que isso me causa. Não entendo. Não era tudo o que desejei? Um amigo? Alguém que me conhecesse? Barnaby...

Sentido já não é algo que cogito procurar. Eu deveria ter tomado mais cuidado, checado os arredores, tomado a decisão correta. O diretor não toleraria outro incidente, e eu deveria ouvir a voz da razão.

Ao que parece, o dono da voz está ali para se encontrar com alguém que certamente não sou eu. Poderia seguir em frente, dando-lhe as costas e desaparecer. Ele não viu meu rosto, afinal, viu? E se o visse, não saberia meu nome.

Mas eu quero que ele saiba, e isso torna o conflito dentro de mim ainda mais alarmante.

A luz treme quando minha mão vacila, permitindo que as sombras girassem acompanhando meu movimento, voltando-se ao rapaz.

Quanto ele ouviu? Quem ele é? Quem veio encontrar? E por que usa um nó de baile no lenço de seu pescoço, com um broche reluzindo à luz? As primeiras perguntas deveriam ser minha maior prioridade, mas minha mente se volta para aquele detalhe incoerente em seus trajes tão bem passados e alinhados.

Na verdade, noto que suas calças estão levemente mais curtas no alto da fivela de seus sapatos, lustrados, e o brocado de seu colete é de um tom de verde-musgo tão delicado quanto a corrente que pende do bolso como um detalhe parcialmente escondido pela casaca.

— Não sei quem vai encontrar hoje — admito, pela primeira vez lhe redigindo a palavra, surpreso até mesmo por como minha voz emana mais firme do que eu esperava.

Estou apavorado com a possibilidade de o diretor descobrir. Ansioso demais por estar falando com quem não deveria. E absurdamente sensível por não saber como meus olhos são tão incapazes de encarar os dele, ainda que se emocionassem por terem sido vistos.

— Não é? — parece tão surpreso quanto eu.

Repito que não.

— Então... também pediram para você vir?

— Não.

Silêncio. Não achei que seria possível ter tamanha consciência a respeito do próprio corpo, mas é o que acontece, tal que meus dedos tremem, ansiosos, e minha respiração se condensa.

As palavras não ditas (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora