Quando dois estranhos se conhecem.

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Inverno

Quando uma gota de água cai e você está em uma fila prestes a entrar em uma festa, que provavelmente não deveria ter ido. É menor de idade, mentiu para o seu pai e não deveria confiar tanto nos seus amigos assim.

Quando uma gota de água cai e você está em uma fila prestes a entrar em uma festa, que provavelmente não deveria ter ido. Está carregando uma câmera que é cara demais para pegar chuva, é maior de idade, mas brigou com seu pai fazendo-o parecer que é apenas um garotinho outra vez. Você confia demais nos seus amigos e talvez seja por isso que está prestes a cometer um erro ou talvez a melhor coisa da sua vida. 

Se sem chover as ruas de Paris já são frias, imagine chovendo, ventos intensos e com corações ainda mais frios precisando se esquentar. 

Stella

Se estou aqui, deveria entrar, mas não consigo. Encarando a fachada da casa noturna, reflito se a minha situação já não está ruim o suficiente, se não deveria dar meia volta e voltar para casa. Odeio mentir para o meu pai. Eu sei que se odeio não deveria fazer, também odeio brigar com ele. Ainda assim, tudo isso é mais difícil do que parece. Entendo que seja difícil para ele, cuidar de mim sozinho, durante todos esses anos desde que a minha mãe foi embora. Queria que ele também pudesse compreender que preciso de um tempo para mim, ter um pouco de liberdade para viver, fazer as minhas escolhas, porque às vezes tudo em volta é demais.

Detesto a cisma que meu pai tem com os meus amigos, especialmente com Juan, meu melhor amigo desde que tínhamos dez anos, ele já deveria ter se acostumado. Nem sempre foi assim, essa cisma aumentou desde que Juan se assumiu, há quase cinco anos. Não é por conta da sexualidade, eu sei que não, mas sobre todas as mudanças que isso gerou. Eu também as percebo.

— Stella? — Chama Juan, os olhos verdes cintilando em meio a escuridão. — Você vem?

Sinto uma gota de água tocar a minha bochecha, despertando-me dos meus devaneios. A arte de se perder em pensamentos, como meu pai costuma chamar, sou especialista.

É a minha vez de entrar, só preciso seguir o passo a passo: pegar a identidade falsa já desgastada na minha bolsa e mostrá-la para o segurança. Não é difícil para mim entrar nessas festas, minha altura ajuda e tento permanecer em silêncio, apesar de ter o costume de ser tagarela. Eu e Juan fizemos as nossas identidades falsas com quinze, desde então começamos a sair para festas e comprar bebida com facilidade.

Sem querer ao me apressar acabo esbarrando em um garoto, apesar da escuridão e da miopia, consigo ver que ele é bonito, alto e moreno. Tento pedir desculpas, entretanto, sou tragada rapidamente para dentro do local por Juan, que me puxa e a última coisa que vejo é o garoto sorrindo gentilmente. Sigo envergonhada para o interior do estabelecimento. Ainda é cedo, porém já está cheio.

A música é ordinariamente alta, algum rap francês remixado, observo os corpos frenéticos dançando colados, as luzes estroboscópicas. Sair assim já não é tão legal como antes, festas, bebidas e paquera, como se já tivesse decorado cada detalhe minuciosamente. Um roteiro ultrapassado.

Lucas

Checo o celular novamente, algumas ligações da minha mãe, nenhuma do meu pai, algumas mensagens de Jacques, meu irmão. Nada que eu queira lidar nesse momento. Eu e o meu pai costumamos brigar bastante, entretanto, dessa vez foi diferente. Acho que hoje consegui enxergar nos olhos dele que não importa o que eu faça, nada é suficiente. Nem mesmo quando entrei na faculdade de administração, porque ele queria, ficou feliz. Todos os planos que ele traçou para mim estavam dando certo, isso não deveria deixá-lo ao menos um pouco orgulhoso? É, acho que não. Porque ele não se importa que o seu filho tenha vontade própria, mas acho que agora finalmente começou a se dar conta disso.

E se a chuva cair?Onde histórias criam vida. Descubra agora